domingo, 20 de maio de 2007

Prazos

O dicionário traz duas acepções para a palavra prazo: "período de tempo" e "tempo determinado". Vamos aqui adotar a segunda acepção de tempo determinado. Neste sentido, uma ação tem vários prazos marcados por eventos. Os mais óbvios são os prazos de início (quando se começa a trabalhar efetivamente) e fim (quando se atinge o objetivo da ação). Há também o prazo limite, ou prazo fatal, a partir do qual não adianta mais fazer a ação. O prazo fatal é o momento em que o valor de fazer aquela ação cai a zero. Não importa quanto valor tivesse, após o prazo fatal, seu valor é zero. Qual o valor nutritivo da comida estragada? Qual o valor de uma proposta comercial não entregue no prazo?

Mas poucas coisas têm um prazo fatal assim. As coisas mais importantes não têm prazo. Não há prazo para ser feliz, não há prazo para se realizar um sonho, não há prazo para mudar. Ora, a reação natural é deixar para depois tudo que não é imediato ou que não tem prazo. Ao natural, as pessoas se mobilizam mais pela possibilidade de perda do que pela afirmação de valor. Por isso, para fazer as coisas que não têm prazo fatal ou cujo prazo fatal é distante, cria-se um outro: o prazo comprometido. O que ocorre no prazo comprometido não é a perda de valor da ação, mas a perda de crédito do promitente, embora este prazo possa ser renegociado antecipadamente sem grande perda de crédito.

Um outro instante característico de uma ação é o momento em que sua necessidade nasce, quando nos comprometemos a fazê-la, porque nos foi solicitada ou por uma tomada de decisão. Chamo esse instante de surgimento da ação. No surgimento, o compromisso de fazer, para ser firme, deve ter um prazo comprometido, caso não tenha um prazo fatal.

Um erro comum (outra reação natural e pouco inteligente) é agendar a ação no prazo dado. Se lhe pedem algo para sexta-feira, anotar um lembrete na agenda na sexta-feira, não é uma boa prática. Deve-se agendar a ação no prazo de ataque com uma folga. O prazo de ataque não é a data em que se vai fazer a ação, mas aquele no qual se começará a avaliar e a priorizar o início da ação. Ao definir um prazo de ataque com uma folga suficiente a pessoa se despreocupa. Isto é, o prazo de ataque, no fundo significa a data até a qual se pode esquecer aquela ação. Colocando estes prazos numa linha de tempo, percebe-se que a folga, na verdade, se divide em duas: a inicial, entre o prazo de ataque e o prazo de início estimado; e a final, entre o prazo de fim estimado e o prazo comprometido (ou fatal).

____!_________!________!______!________!_________!__
Surgimento..Ataque .Início ..Fim .
Comprometido Fatal..............!________!......!________!
............Folga Inicial >>>>Folga Final
.......................!______!
....................Duração estimada

A Síndrome do FDP *

O caráter do brasileiro, mestiço por excelência, tem vários traços já apontados na literatura: a cordialidade, a tolerância, o fatalismo apático. Mas creio que um aspecto nunca foi devidamente analisado. O brasileiro, filho de pai português e mãe índia, sofre da síndrome do bastardo. Para deixar claro, bastardo é a versão culta do termo chulo fdp, e designa o filho gerado fora do matrimônio.

O perfil psicológico típico do fdp é o do enjeitado. Tem raiva do pai, vergonha da mãe e baixa auto-estima. É filho do erotismo, mais propenso à expressão do que à sublimação do instinto. Portanto, não tem apreço pela família como instituição e dificilmente será um pai devotado ou marido fiel, tendendo a reproduzir o seu perfil em uma nova geração de filhos bastardos.
Por que o Brasil e os EUA tiveram índices de desenvolvimento econômico tão distintos, tendo ambos a mesma idade e extensões territoriais semelhantes? Obviamente, a diferença é cultural. A culpa é dos portugueses. Sempre é.

Uma explicação corrente ressalta a diferença de atitude em relação à riqueza entre a ética católica dos ibéricos e a ética protestante do colono americano. Para o catolicismo "é mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no reino dos céus". Já, a ética protestante considera sinal de virtude a riqueza oriunda do trabalho. Creio, entretanto, que a síndrome do fdp se constitui em distinção ainda mais fundamental, que nunca foi devidamente ressaltada. Mais do que a Igreja, a família é a célula mater para a geração e reprodução dos valores morais e do caráter de um povo.

A família é uma criação eminentemente feminina. Para passar adiante os seus genes, a mulher conta com poucos óvulos, relativamente aos milhões de espermatozóides masculinos. É crucial para a fêmea que a prole sobreviva em um ambiente hostil e a família (a garantia do compromisso paterno) é a mais poderosa arma nesse sentido. Já o homem produz espermatozóides suficientes para colonizar um continente sozinho. Se não lhe for cobrado nenhum compromisso posterior, ele pode até fazê-lo apenas para satisfação do desejo momentâneo.

Nos EUA, a colonização foi feita por famílias. Famintas, degredadas sociais pela falta de perspectivas no velho continente, mas, ainda assim, famílias. Onde a figura da mãe era dominante, jogando um papel agregador e motivador para a construção de um novo lar definitivo. Uma visão de futuro: a recuperação da dignidade familiar na nova terra dependia da riqueza que se pudesse construir pelo trabalho. A ética protestante é um elemento facilitador, sem dúvida.

Ora, a colonização do Brasil, assim como a da Austrália, diferentemente da americana, foi essencialmente masculina. Aventureiros e mandatários degredados que, distantes dos vínculos afetivos, familiares e sociais em que foram criados, construíram novos vínculos, mais por necessidade e interesse do que por escolha. O português "se unia" às índias (assim no plural) "em pecado" e as enjeitava como símbolo deste pecado, bem como aos frutos dessa união eminentemente carnal, consumada sem respeito pela parceira. Nessa família mestiça, o pai era a figura dominante, dada a superioridade cultural. Um pai com remorso, saudoso, aventureiro, temporário, voltado para o passado, para a terra à qual voltaria com as burras cheias e a alma vazia. Um pai cuja visão de futuro era a de um retorno ao passado. Uma mãe criança, só vivendo o presente, inocente e tragicamente sem expectativa, sem futuro. Essa preponderância do macho sem vínculos familiares, mais tarde, se reproduz na relação com a escrava negra. O erotismo se sobrepõe ao respeito e ao compromisso na noção de amor brasileira, com profundos reflexos na família como instituição.

* Texto originalmente publicado no Baguete em 22/09/2003 e posteriormente no livro "O Entregador de Sonhos"

Radical de Centro *

As pessoas se declaram de esquerda ou direita por afinidade. Por afinidade de interesses ou afetiva, o posicionamento político é mais emocional do que racional: um perfilamento simpático – ou uma rejeição antipática – a pessoas mais do que a idéias. Uma variante diz respeito ao poder: ser simpático ao poder é de direita, contestá-lo é de esquerda.

Falar esquerda e direita condiciona linearidade em uma única dimensão. O senso comum considera o liberal à esquerda do conservador e à direita do socialista, e o anarquista ainda mais à esquerda. Entretanto, o pensamento conservador tem afinidades com o socialista pela ênfase na ordem e na segurança, enquanto o pensamento liberal converge com o anarquista na valorização da liberdade individual como princípio máximo e na desconfiança em relação ao Estado.

Entendo que a escolha entre esquerda e direita se dá em vários eixos, que representam conceitos opostos. Para isso desenvolvi um ideologímetro que marca a posição intermediária entre estes conceitos. Marque no ideologímetro abaixo onde você se situa:

Comunidade.. _____________!_____________ Indivíduo

Igualdade... _____________!_____________ Liberdade

Segurança... _____________!_____________ Risco

Planificação _____________!_____________ Competição

Uniformidade _____________!_____________ Diversidade


Estabilidade _____________!_____________ Mudança

Natureza.... _____________!_____________ Tecnologia

Ideológica e politicamente me declaro um radical de centro com tendências para a direita. Muitos pensam que é blague, pois acham que radicalismo pressupõe extremismo. Mas, radical é quem vai à raiz do problema, com disposição e disciplina para refletir e analisar todos os lados da questão, suspendendo o julgamento passional interessado.

O "radical" extremado, ao contrário, adota uma posição afetiva, baseada em interesses e não em análise. O "radical" é do contra, se opõe ao que considera diferente, por antipatia baseada mais em sentimento e interesse do que em raciocínio. O "radical" não tem lógica, tem convicção. Certeza visceral, não cerebral. A raiz do conflito político está na paixão cega de quem defende o seu lado, no qual supõe toda a virtude, e joga no outro todo o vício. Isso se chama maniqueísmo. Esta paixão é veemente e o "radical" é veemente na defesa do seu interesse, sempre racionalizado como interesse comum ou verdade definitiva.

Aliás, a veemência é a única característica do "radical" extremista que procuro manter. Defendo veementemente a liberdade de idéias, o pensamento livre e o mais desinteressado possível, o direito que todos têm de defender interesses respeitando o direito dos outros de fazer o mesmo.

O interesse individual deve se subordinar ao interesse coletivo. Mas não existe “o” interesse coletivo, “o” bem comum. O interesse coletivo surge da negociação dos interesses individuais. Não se trata de defender fins, mas sim de assegurar os meios para que essa negociação se efetue. A isso se chama estado de direito.

Platão errou ao jogar a ética para um plano metafísico afirmando a existência de um Bem absoluto e inventando a praga do idealismo. Ética não é coisa de deuses desapegados, é coisa de homens interessados. Todos têm interesses próprios e a sua defesa é legítima. Não é uma questão de fins, danem-se os fins. Os meios é que são éticos. Se o mal existe, ele se chama violência. O que há de terrível na sentença de Maquiavel de que os fins justificam os meios é que ela sanciona a violência.

O uso da força permite ao forte impor suas idéias e manter o poder. Pode-se pedir ao mais forte que não use a sua força? Sim, mas isso é antinatural. O forte só deixará de usar a sua força por temer a união dos fracos. Ou por aceitar o imperativo categórico de Kant. Seja por medo ou pudor, é na repressão do uso da força pelo forte que se baseia o estado de direito.

Mas isso pode facilmente descambar para a ditadura dos fracos – a ditadura do rebanho que, de fato, é sempre uma ditadura de pastores disfarçada. Foi essa a revolução dos séculos XIX e XX, comandada por Nietzsche e Freud: a reabilitação da potência do indivíduo, o uso consciente das forças instintivas do indivíduo como critério maior de verdade e valor.

Para o socialista todos os homens são iguais, mas, quando estão no poder, uns acabam sendo mais iguais do que outros. Os liberais defendem a livre circulação de pessoas e mercadorias, mas de preferência num sentido só – do centro (de poder) para a periferia. Socialismo e liberalismo são utopias – coisas de idealistas. Idealistas querem o poder para colocar em prática suas idéias, o que é um interesse próprio. Defender o interesse próprio é legítimo, desde que se reconheça ao outro o mesmo direito. Por isso, simpatizo um pouco mais com os liberais, embora aqui também se encontrem convictos. O idealista acha que sabe o que é melhor para os outros, pois está do lado da verdade absoluta. Eu tenho muito receio disso. Aliás, me oponho radicalmente a isso.

* Este texto é uma revisão de artigo originalmente publicado no livro "O Entregador de Sonhos"

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Economia, Finanças e Dinheiro

Aprendi a diferença entre economia e finanças aos 20 anos, dramaticamente, quando meu pai morreu. Herdei um apartamento e um carro, mas nem um centavo de renda. O que eu ganhava como estagiário pagava a comida, mas não a gasolina. Razoável situação econômica, situação financeira apertada. Suplementei a renda fazendo fotografia, sem deixar de estudar e sem vender o carro.

O capital rende juros ou aluguel e o trabalho rende salário. Na verdade, o trabalho é o produtor original de valor e o capital é o valor acumulado que, quando aplicado (somado ao trabalho), se reproduz por multiplicar a produtividade do trabalho.

A renda é poupada ou consumida. Se há poupança, o capital tende a crescer, enquanto o consumo diminui o capital. Não é o gasto que diminui o capital, é o consumo. Porque o gasto assume duas formas: consumo e investimento, as quais têm a ver com o tempo. Consumo é o gasto sem conseqüência futura. Seu objetivo é o desfrute ou o uso aqui e agora. Do outro lado, investir é gastar agora em função de um possível ganho futuro. Aliás, o homem passou a contar o tempo quando passou a investir.

Dinheiro não traz felicidade, mas falta de dinheiro traz infelicidade. Ganhar dinheiro é diferente de ter dinheiro. Ser rico é ter, ganhar ou gastar dinheiro? Parece mais rico quem mais gasta, e quem tem fama de rico, tem crédito - lhe oferecem dinheiro esperando retribuição. Quem guarda tem, e não gasta. Mas, acumular dinheiro, não é viver uma vida rica. Por outro lado, gastar sem poupar, pode trazer infelicidade futura ou transformar-se num vício em que a sede de consumo se torna insaciável, criando novas necessidades sem qualquer base racional.

Rico é quem tem mais do que precisa. Porque ganha, ou porque tem mais do que gasta. E quanto cada um precisa gastar para ser feliz? Sempre fui rico, porque mesmo lá, quando ganhava apenas o suficiente para pagar a comida e a gasolina, eu era feliz.

Missão de Fada *

Identifico-me completamente com o lema inspirado e inspirador da Junior Achievement: “a vida é um caminho, não um destino, e você é o arquiteto do seu caminho”. Nossa missão é fomentar a cultura empreendedora e seus valores morais e mostrar aos jovens que a empresa privada é a célula matriz da geração de riqueza e das trocas justas. Num país com muitas carências é difícil para o jovem aceitar o paradigma da abundância, segundo o qual a riqueza se cria e a união de um mais um é mais do que dois. É mais natural pensar sob a ótica da escassez, da riqueza estática, que só pode ser conquistada se for tirada do outro, visto como algoz, mais do que como igual.

Também é nossa missão mostrar que competição não é algo que se faz contra os outros, mas sim com os outros, contra as próprias limitações. O sucesso dos outros e o nosso são medidas comparativas do esforço conjunto de superação, no desenvolvimento de competências. Ser competitivo é desenvolver capacidades, tornar-se mais competente. A raiz latina das duas palavras explica: “com = junto + petere = buscar”. O que se busca? A superação e o crescimento pessoal. As maiores limitações estão dentro de nós. Competição é superação e o maior exemplo disso é o esporte. Em suma, a competição não exclui a solidariedade, mas, ao contrário, é o maior sinal de respeito pelo outro, pois o auxilia no seu crescimento e o desafia a sair da zona de conforto da ignorância, da pobreza e da fraqueza.

Num sistema de ensino que prepara os jovens para o emprego, mais do que para o trabalho, preciso transformar sapos em príncipes, dando-lhes o beijo de fada do exemplo. Mostrar pelo exemplo, mais do que pelo discurso, que se pode criar valor sem tirá-lo de ninguém e que a criação de valor (e não a eventual remuneração ou o esforço) é a verdadeira finalidade de todo trabalho. O trabalho voluntário “é” essa mensagem.

Acredito firmemente no poder da inspiração e do trabalho conjunto em clima de cooperação. É incomensurável a potência criativa adormecida nos corações e mentes dos jovens. O despertar desta vontade de potência é um momento mágico que o trabalho na Junior Achievement proporciona: o momento da transformação do sapo em príncipe. Mas é difícil beijar sapos. É mais fácil virar sapo e aceitar o brejo, praticando o reconfortante discurso de vítima, que louva a fraqueza, atribuindo aos outros (ou ao governo) a culpa de todos os males e, vez por outra, lavar a alma na prática do sacrifício de algum bode expiatório. Acredito que muitos empresários precisam também de uma injeção de empreendedorismo, e podem ganhar muito com o trabalho junto aos jovens.

Embora alguns traços de temperamento favoreçam o desenvolvimento do espírito empreendedor, ele está ao alcance de qualquer um, com maior ou menor grau de dificuldade. A genética e o ambiente podem facilitar enormemente, mas não impedem o crescimento. O ambiente empreendedor se caracteriza pela flexibilidade das interações sociais e das trocas entre as pessoas. Portanto, também é nossa missão lutar pela liberdade e pela democracia como valores máximos das instituições. E, também aqui, convém unir a ação ao discurso.
A boa nova é que a filosofia empreendedora vem se afirmando e o ambiente é cada vez mais propício ao empreendedor. Acredito que este é o século em que será reconhecida a verdade de Schumpeter de que o empreendedor é a mola mestra de todo desenvolvimento econômico. Mas vou além. Entendo que o empreendedorismo é o caminho do crescimento pessoal e do desenvolvimento do caráter: transformar sonhos em metas e buscar a sua realização; visualizar soluções para os problemas e ter a coragem de admiti-los e enfrentá-los. Empreendedorismo é uma filosofia de vida – aliás, a melhor. A vida produtiva e criativa, aquela que vale a pena ser vivida, é uma série de empreendimentos. Crescer sempre, pois apenas sobreviver é uma meta mesquinha. Parodiando o lema dos navegadores antigos: “Empreender é preciso, viver não é preciso”.

* Discurso de Posse na AJA-RS - 2006

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Cultura In e Útil

Cultura é "in". Impressiona a memória fática, que reduz os grandes vôos do espírito às suas circunstãncias psico-sociais. Cultura é útil. Ao contar a história das idéias e dos sentimentos, encadeados como causas dos seus efeitos e efeitos das suas causas, ajuda o homem a ser agente e causa, mais do que vítima e efeito, da sua circunstância. Idéias estão aí há séculos, entrando e saindo da moda, ao sabor dos sentimentos vigentes. Parecem inatas, mas são pensadas e sentidas. Tão mais inatas parecem quanto maior a carência afetiva da época que anseia por elas. Dogmas são convicções entranhadas, portanto mais intestinas do que cerebrais. Mas chega de filosofia em primeira mão, vamos à de segunda, que tem mais autoridade.

O estoicismo de Zeno disputou com (e perdeu para) Epicuro os corações e mentes dos séculos 2 e 3 AC. A primeira disputa entre as duas grandes filosofias morais da Antiguidade, não foi um 4x0, mas um 6x4. No segundo turno, em Roma, o estoicismo teve a sua desforra, agora sim, 4x0. Foi só mais recentemente, a partir do Renascimento e, com mais ênfase, nos séculos 19 e 20 que o epicurismo voltou à primeira divisão.

O princípio ético do estoicismo (aí o útil) é: o que importa é a virtude, única finalidade verdadeira. Nisto, afirma a liberdade humana. Virtude depende apenas da vontade e a vontade é sempre livre para ser boa ou má. Felicidade é praticar a virtude, evitando o engano dos prazeres mundanos. Mais do que prazer, é paz de espírito, ausência de dor, tranqüilidade e harmonia - estado de alma designado como "ataraxia". É evidente o parentesco com o desapego budista. O segundo princípio estóico, o deteriminismo, encerra uma contradição. A vontade é boa quando está de acordo com a Natureza, entendida não como realidade contingente, mas como princípio orgânico do Universo, com suas leis e finalidade.

O "in"teressante não é a história do campeonato, mas a emoção da partida, a circunstância do goleador. Os heróis do segundo turno do estoicismo romano são Sêneca, Epícteto e Marco Aurélio, um ministro, um escravo e um imperador. Sêneca foi marcado pela contradição. Adepto da virtude reta e da simplicidade, foi o tutor de Nero, e, sob seus auspícios tornou-se um dos homens mais ricos do seu tempo. Nero, porém, redimiu-o moralmente pelo suplício, condenando-o à morte, e concedendo-lhe a graça do suicídio, no que pôde imitar Sócrates, o "santo" do estoicismo.

Epícteto, escravo, fresteava as aulas dos filhos do amo. Espírito interessado e interessante, impressionou o tutor, que o levou para Roma com os jovens amos estultos. Voltou filósofo, estóico, mas ainda escravo. O amo questionou seu estoicismo radicalmente, colocando sua perna num torno: "quem controla a tua vontade?". "És dono do meu corpo, não da minha vontade", continuou respondendo Epícteto até ter a perna estilhaçada, coxo para sempre. O amo, acabrunhado pelo remorso deu-lhe a liberdade (de corpo). Epícteto escreveu "A Arte de Viver", com conselhos úteis repetidos pelos manuais de auto-ajuda modernos, sem citar a fonte esquecida ou ignorada: distinga o que depende da sua vontade e o que independe dela, aja apenas sobre o que pode influenciar e não se deixe influenciar pelo que está fora do seu controle; não são as coisas que nos perturbam, mas sim o significado que lhes emprestamos; o que fazemos é menos importante do que a maneira como o fazemos: a harmonia da vontade com a Natureza é o seu maior ideal; aceite a realidade como ela é, sem ilusões; concentre-se na realidade do presente, que será verdadeira para sempre; caráter importa mais do que glória. E por aí vai.

Marco Aurélio, último imperador da época áurea dos Antoninos, escreveu as "Meditações" para si mesmo. Precisava muito da força moral que pregava. Enfrentou pestes, guerras e insurreições. Seu único filho, Cômodo (retratado no filme Gladiador), acabou sendo um dos piores entre os imperadores maus, mas ocultou sua índole durante a vida do pai. Durante as longas ausências de Marco Aurélio nas campanhas de guerra e missões de paz, sua esposa Faustina, foi acusada de imoralidade. Ele morreu no campo de batalha, em paz consigo e admirado pelo povo. Seu legado imediato foi infeliz, mas sua influência filosófica e autoridade moral perduram.

Pode-se administrar o tempo?

No colégio aprendemos que tempo é a dimensão onde o movimento ocorre. Vemos então o tempo como uma reta, algo abstrato, mas ainda assim, algo. Mas Leibniz intuiu e Einstein explicou que o movimento não se dá “no tempo”. Tempo “é” o movimento das coisas, não uma coisa em si. Seu tempo é o que acontece e o que você faz acontecer. Seu tempo é sua vida.

Entretanto, tempo e vida parecem distintos. Tempo é trabalho e dever, vida é nos fins de semana ou nas férias – o lazer. Cria-se o conflito entre uma persona moralista, que cumpre deveres, atarefada e ocupada; outra hedonista, que frui prazeres, ociosa e livre. Desde pequenos vamos ao colégio para aprender algo útil para, no fim, ganhar dinheiro. A mensagem subliminar é clara: a finalidade da vida é o dinheiro. Alienação do trabalho, cuja finalidade, para o indivíduo, não é mais gerar valor, mas ganhar dinheiro. A vida torna-se uma competição para acumular dinheiro, trabalha-se para deixar de trabalhar, criar uma reserva de prazer, o mito da euforia perpétua e do ócio permanente. Loucura? Psicopatia social. Porém cuidado: negar que o tempo é dinheiro pode ser uma sociopatia.

Pode-se administrar o tempo? Ou, por outra, pode-se viver melhor? Existe técnica para isso? Várias. A ética, a psicologia e as terapias psi, buscam isso: fórmulas para viver melhor, a felicidade possível. Então, não se controla o tempo em si, mas pode-se adquirir um pouco de autocontrole e agir de maneira mais consciente e racional. Não existe falta de tempo, mas sim falta de prioridade. O que se pode definir é a prioridade dos eventos que dependem da vontade. Essa é a base de toda disciplina moral. Mas, desde Freud, sabemos os riscos dessa disciplina se basear na repressão inconsciente da expressão emocional.

Separo a questão em duas esferas que se confundem: organização e planejamento. Organização é reagir bem, responder proativamente. Planejar é agir continuada e cumulativamente para mudar o que acontece. Uma é adaptação às circunstâncias e às limitações, a outra é mudá-las e superá-las. Uma é realizar a rotina de forma correta, a outra é mudar e criar novas rotinas. Uma é adaptar-se, outra é tentar mudar. Há uma certa ruptura e até conflito. O planejamento requer uma quebra da rotina e compete com ela. É preciso ceder de um lado e dar atenção ao outro equilibradamente.

A fórmula da organização:
· Anotar o que acontece (para esclarecer e não esquecer) e dar respostas.
· Contar até três antes de reagir para poder escolher a melhor resposta;
· Ao escolher, ser fiel aos próprios princípios e valores – às bases filosóficas. Valor é o que se crê ser correto; princípio é o que se acha que é verdade.
· Dedicar tempo à reflexão e ao diálogo para questionar e solidificar a base (princípios e valores).

A fórmula do planejamento é um processo em três níveis:
· Político: a coragem de definir metas difíceis e encarar os problemas maiores. Política é a arte do presidente.
· Estratégico: analisar causas e dividir o problema/meta em objetivos intermediários. Estratégia é a arte do general.
· Tático: avaliar o que já fez e decidir o que pode ser feito no próximo período, e adaptar metas e estratégia às circunstâncias reais. Tática é a arte do sargento – usar a estratégia para enfrentar o campo de batalha e adaptar a estratégia em função da realidade.

No fundo, toda organização é emocional. O método acima ajuda a pensar bem para sentir melhor, melhora a inteligência emocional. É o caminho do desenvolvimento do caráter segundo a ética das virtudes. Convém beber na fonte do ABC da virtude: Aristóteles, Buda e Confúcio. A essência é a prática de três disciplinas: reflexão, planejamento e atenção. Disciplinas não são naturais, precisam ser aprendidas e desenvolvidas. A maneira de desenvolvê-las consiste na adoção de três hábitos:
1. Tempo Calmo de 15 minutos por dia para fazer um Plano Diário, separando as ações com prazo dos compromissos com hora marcada para iniciar e terminar, e priorizando as ações segundo o método ABC.
· A (importante e urgente),
· B (importante, mas não urgente)
· C (não importante, urgente ou não).
2. Encontro Pessoal de 30 minutos no fim de semana para repassar a semana anterior atentando para os sentimentos evocados. Não se controla os acontecimentos, mas pode-se elaborar seu significado e a forma de reagir a eles. Analisar as iniciativas a serem tomadas na próxima semana para encaminhar as metas/problemas mais difíceis.
3. Durante o dia, anotar os contatos, idéias e pensamentos num Diário. Revisá-lo no Tempo Calmo e/ou no Encontro Pessoal.
Também é importante saber desfrutar o presente e não esquentar demais a cabeça, pois “a longo prazo, todos estaremos mortos” (Keynes).

A verdade virou notícia

Jornalismo e filosofia lidam com informação e conhecimento de formas opostas. À filosofia interessa a informação mais perene: a verdade essencial e permanente. O jornalismo lida com a notícia: a novidade imediata e fugaz. Enquanto sabedoria mais antiga é a melhor filosofia, a notícia de ontem já é velha. A filosofia sonda os aspectos mais sutis das idéias e das palavras, procura a perspectiva múltipla que questiona a si mesma e busca o peculiar e o olhar incomum. O jornalismo, assim como a propaganda que o alimenta, busca a identidade, deve usar a linguagem popular e comum, traduzindo e filtrando tudo o que pode não ser compreendido pela cultura em que se insere.

Nos tempos que correm, a inundação de notícias, propaganda e informações fugazes é tanta que o público perdeu a noção das antigas verdades maiores. Assim, elas ganharam ares de novidade, viraram notícia. A sabedoria reciclada em auto-ajuda é comercializada nas esquinas da Internet da mesma maneira que os sofistas faziam na antiga Atenas.
Mundo redondo que gira, gira e não sai do lugar.