segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Cap.1 Escravos do Tempo - Parte 5

Tempo Partilhado – Vida Quebrada

O relógio deixa de ser um instrumento para tornar-se o ditador supremo da vida. Todos esquecem o porquê dos relógios e dos horários, esquecem que marcam hora para sincronizar a sua vida com a dos outros de modo interdependente. O cumprimento do horário se torna mais importante do que a interação em si, o relógio importa mais do que o outro. Pior, ao invés de assumir compromissos de forma espontânea e integral, alguns se comprometem com “o relógio” de forma automática e dependente. Encaram os compromissos como algo a que devem se submeter contra a vontade, uma obrigação sem liberdade de escolha. Com esta atitude, externalizam a responsabilidade. E então o “eu”, agente autônomo, já não está lá. Agem como vítimas do compromisso, o qual se torna um símbolo da sua fraqueza, um reforço negativo para sua auto-imagem. Ter compromissos, ter “hora”, torna-se um fardo. Atlas esmagado sob o peso do mundo.

A tendência geral é compartimentalizar a vida em horários e em personalidades bipartidas. Das 8 às 18h , existe uma pessoa, das 18h em diante, outra. Parece que não se age mais como pessoa integral, pois personalidades distintas são incorporadas em função do horário. Pior, são personalidades em conflito umas com as outras, dentro da mesma pessoa, de modo neurótico. Foi-se a inteireza e, talvez até, a integridade.

Tempo Consumido – Vida Vazia

Todos têm as mesmas 24 horas por dia. O que se faz com elas se chama vida. Ter tempo significa ter vida. Mas pode-se “ter” vida? Esta é uma outra face da confusão dos tempos modernos, que gira em torno do conceito de emprego e que embala o adágio de que “tempo é dinheiro”.

Tempo é muito mais do que dinheiro. Conseguir dinheiro é uma questão de tempo, mas o inverso não é verdadeiro. Tempo não é uma questão de dinheiro. Tempo é vida. E o valor da vida não tem preço. Meu tempo é minha vida. É tudo que me acontece e que eu faço acontecer. Administrar bem o tempo é viver bem. Mas a questão é: o que é viver bem? Esta é uma questão ética, questão de valores e prioridades. Na sociedade de consumo parece que viver bem é ter dinheiro para comprar o que se quiser. Será mesmo?

Todos dizem que trabalham para ganhar a vida, para subsistir, ter o que comer e vestir, onde dormir. Porém, imagine que você perdesse o emprego ou a sua fonte de sustento. Você, realmente, não teria onde dormir, não teria o que comer e vestir? Ou poderia perfeitamente viver com menos, aceitando a ajuda ou mesmo a dependência de outros? Embora a maioria das pessoas não tenha problemas efetivos de subsistência, parece que todos têm urgência em ganhar a vida para sobreviver, o que se traduz em fazer coisas que gerem dinheiro para pagar as contas. Mas estas contas devem-se, em grande parte, à forma consumista como se usa o tempo livre. Ao invés de usá-lo de forma produtiva e criativa, a grande maioria das pessoas utiliza o seu tempo livre em consumo, sem grande correlação com qualquer necessidade efetiva. O próprio lazer virou mercadoria. Assim, o tempo do trabalho é visto como o tempo que se vende e não como um período livre para criar, produzir e contribuir. O próprio trabalho é encarado como um encargo necessário e não como uma contribuição espontânea. Em que isso difere de uma mentalidade escrava?

Todos são chamados a consumir através de apelos mais ou menos sutis, que mexem com as emoções e interferem nas noções de valor. Na sociedade de consumo tudo vira mercadoria. A noção de valor é expressa em cifras. O dinheiro é o ídolo, e o mercado é o juiz supremo. A religião já ocupou este lugar. Na sociedade medieval o valor se expressava na salvação e o juiz era a Igreja. Ter e possuir cada vez mais coisas torna-se, em muitos casos, um outro vício, sem relação com as noções de necessidade e utilidade. Pessoas tomam “banhos de loja”, compram de forma compulsiva e consomem acima das suas possibilidades financeiras, endividando-se e criando uma poderosa carga de estresse adicional.

A sociedade moderna cultua o mito do ócio como ideal de vida, e o trabalho duro como caminho para atingi-lo. Depois de “ganhar a vida” vendendo suas horas de trabalho, o empregado visualiza a aposentadoria como um éden de ócio, sem nada para fazer. Trabalha como escravo do tempo, como se criasse uma poupança de tempo futura, quando, então sim, irá viver “sem ter nada para fazer”. Em horizontes de tempo mais estreitos, a história se repete. Trabalha-se durante a semana para “viver” no fim de semana. Trabalha-se um ano para “gozar” nas férias. E, então, a superficialidade cobra seu preço na forma de tédio. Após algum tempo ocupando-se com distrações, o vazio de uma vida sem sentido torna o ócio insuportável.

De fato, o tempo do lazer é aquele em que se desenvolve uma atividade livre da pressão da necessidade, mas cujo sentido, significado e finalidade são dados pela própria pessoa. Não se trata apenas de “matar o tempo”, mas de preenchê-lo com algo que conduza à realização pessoal. Este lazer, produtivo e criador, absorve; a pessoa usa todas as suas energias e, paradoxalmente, se revigora. Ou seja, o verdadeiro lazer é uma forma de preencher o tempo de modo produtivo e livre. Portanto, o lazer pode acontecer no trabalho. Não naquela forma de trabalho alienado em que se troca tempo (e vida) por dinheiro. Mas no trabalho que dá sentido à vida da pessoa, que desenvolve suas potencialidades, que lhe permite estabelecer vínculos afetivos e de cooperação com outros.

No entanto, o lazer moderno tornou-se um produto de consumo para o tempo ocioso. Todo um setor de serviços oferece lazer empacotado, pré-pronto, na forma de distração de consumo rápido. O lazer não é mais desfrutado, mas consumido ansiosamente. São tantas as opções que o afã de lazer estressa tanto quanto o trabalho. E a superficialidade acaba por entediar, exigindo cada vez mais doses de distração. Este tipo distorcido de lazer torna-se também um vício, avidamente buscado e proporcionado em doses maciças pela sociedade de consumo.

Além disso, a confusão tempo/dinheiro leva a querer “poupar” tempo. Deixar para depois toda a realização mais significativa, que sempre envolve uma aplicação mais demorada, sem frutos imediatos.

Pensa-se antes no dinheiro renovável e esquece-se do tempo insubstituível. Todos esquecem que o consumo implica demandas sobre o tempo. Por exemplo, uma pessoa que deseja comprar um barco, pensa antes nas suas possibilidades financeiras, sem levar em conta o tempo necessário para escolher, desfrutar e manter este novo brinquedo que, eventualmente, dadas as suas outras prioridades, poderá ficar sem uso.

Os valores pós-modernos da sociedade de consumo não se harmonizam com muitas das “virtudes aristotélicas”: a moderação, a justiça, a solidariedade e talvez até a integridade, mas principalmente, o amor. Cria-se uma versão de consumo empobrecida da velha história da música de Casablanca, que serve de epígrafe a este capítulo, em que “a luta por amor e glória” torna-se uma “luta por sexo e dinheiro”.

sábado, 22 de agosto de 2009

Cap. 1 - Escravos do Tempo - Parte 4


Tempo Sincronizado – Vida Amarrada

Esta é a era das organizações e dos sistemas. A complexidade da vida moderna, desde as atividades mais rotineiras até as mais elaboradas, exige o trabalho conjugado de várias equipes. A contribuição individual autônoma do inventor solitário ou do artesão, praticamente desapareceu, exceto, talvez, nas artes. O trabalho é tão complexo e envolve a mobilização de tantos recursos que apenas uma organização ou uma rede de relacionamentos pode levá-lo a cabo.

Ora, para que tantas pessoas trabalhem de maneira organizada, com objetivos comuns, é preciso que as suas vidas estejam sincronizadas. Criam-se amarras de tempo entre elas, pois a organização requer controle centralizado da sincronização das partes. Foi nos mosteiros da Europa medieval que os relógios imprecisos (clepsidras) e locais (relógios de sol) até então usados começaram a ser substituídos por relógios mecânicos mais precisos e universais. O termo horarium é cunhado para atender à necessidade de estruturar e regular o trabalho no mosteiro e na comunidade em torno do tempo dedicado à oração, marcado por relógios mecânicos e anunciado por sinos para sincronizar a todos.

Com a aceleração dos eventos, a necessidade de sincronização se afina. Já não são mais os carrilhões a marcar as horas, mas bips eletrônicos a soar a cada segundo. A economia globalizada funciona como um grande sistema que encerra todo o planeta numa malha de horários, que regula as trocas e interações mútuas. Em todas as esferas de suas vidas, as pessoas estão sincronizadas segundo a segundo, num ritmo único e cada vez mais acelerado, marcado por horários de trabalho, de estudo, de refeições, de reuniões, dos bancos, das lojas, das bolsas, do noticiário, da TV, do esporte, do cinema e do teatro. “Sem perceber, o homem civilizado, como Gulliver em Lilliput, encontra-se preso por milhões de tênues fios. Isolados, mal são percebidos; juntos, privam-no da sua liberdade.”[1]

Tempo Partilhado – Vida Quebrada
O relógio deixa de ser um instrumento para tornar-se o ditador supremo da vida. Todos esquecem o porquê dos relógios e dos horários, esquecem que marcam hora para sincronizar a sua vida com a dos outros de modo interdependente. O cumprimento do horário se torna mais importante do que a interação em si, o relógio importa mais do que o outro. Pior, ao invés de assumir compromissos de forma espontânea e integral, alguns se comprometem com “o relógio” de forma automática e dependente. Encaram os compromissos como algo a que devem se submeter contra a vontade, uma obrigação sem liberdade de escolha. Com esta atitude, externalizam a responsabilidade. E então o “eu”, agente autônomo, já não está lá. Agem como vítimas do compromisso, o qual se torna um símbolo da sua fraqueza, um reforço negativo para sua auto-imagem. Ter compromissos, ter “hora”, torna-se um fardo. Atlas esmagado sob o peso do mundo.

A tendência geral é compartimentalizar a vida em horários e em personalidades bipartidas. Das 8 às 18h , existe uma pessoa, das 18h em diante, outra. Parece que não se age mais como pessoa integral, pois personalidades distintas são incorporadas em função do horário. Pior, são personalidades em conflito umas com as outras, dentro da mesma pessoa, de modo neurótico. Foi-se a inteireza e, talvez até, a integridade.

[1] SERVAN-SCHREIBER, Jean-Louis. A Arte do Tempo. S.Paulo, Cultura Editores Associados, 1991.

domingo, 16 de agosto de 2009

Cap. 1 - Escravos do Tempo - Parte 3

Tempo Fracionado – Vida Superficial

Sem tempo livre para a reflexão, a ansiedade toma conta. A multiplicidade de eventos que se apresentam fraciona o tempo de tal maneira que não se consegue dar atenção a nada. Nada merece consideração maior do que alguns minutos. Nenhuma questão pode ser profunda. Os resultados precisam ser práticos e imediatos. A vida torna-se superficial e apressada.

Quem tem tempo para amar ou para fazer diferença? O amor e a honra perderam a essência do seu valor. Busca-se a aparência e o efeito, desvinculados da essência, da prática das virtudes que são sua causa. O desejo é de sexo – o amor instantâneo que não precisa ser cultivado e mantido pela atenção. O desejo é de dinheiro fácil – a riqueza imediata que não precise de trabalho. O desejo é de fama instantânea – a glória rápida que não requer esforço nem mérito. Inverte-se o ideal platônico, quanto mais aparente e efêmero, melhor. A aparência vale mais do que a essência. Se tudo muda e nada permanece, então a imagem instantânea é tudo. O que importa é parecer, o ser torna-se secundário. Informática, comunicações, internet, moda, notícia, lazer, terapias psi, todas as indústrias de serviços da sociedade pós-moderna vivem da manipulação de imagens.

Numa sociedade virtual, em que milhares de versões se multiplicam sem que ninguém saiba se há um fato, a versão precede o fato e acaba por criá-lo. Os criadores de versões adquirem poderes demiúrgicos, de criar realidades a partir de virtualidades. A mágica se torna uma ciência e vice-versa.

A pressa, o ritmo acelerado da vida torna-se um vício. Semelhante à nicotina, à cocaína e a outras drogas que, uma vez experimentadas, demandam doses cada vez maiores, a adrenalina, decorrente do estresse e da pressa, também vicia. Se, antes, a comunicação por carta satisfazia, hoje fica-se impaciente diante do e-mail que demora segundos para ser visualizado, ou puxa-se ansiosamente o papel da máquina de fax, porque demora a sair. Antes ia-se a pé para o trabalho. Hoje buzina-se ansiosamente porque o carro da frente demora três segundos para arrancar quando o sinal abre. Quando os carros surgiram, a velocidade de 60 Km/h assustava. Hoje, as pessoas ficam ansiosas ao dirigir a essa “baixa” velocidade.

A vida sem urgência parece perder a graça. A capacidade de reagir rápido parece ser mais importante do que a de agir certo. Assim, abdica-se daquilo que distingue o homem dos outros animais e dos autômatos: a capacidade de escolher como agir, ao invés de reagir de maneira padronizada.

A Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) torna os usuários cada vez mais eficientes. Realmente, hoje pode-se fazer mais em menos tempo. Mas a que preço?

A TIC cria uma distorção: valorizar mais a eficiência do que a eficácia. Valoriza-se mais a resposta rápida do que o questionamento do resultado que se pretende e isto faz com que as pessoas não tenham tempo para pensar, questionar, entender. Tornam-se vítimas das circunstâncias e perdem a influência sobre elas. Ouso afirmar que quanto mais "tecnológica" é a pessoa, menores são as suas chances de ser eficaz, de fazer diferença e, de modo geral, de sentir-se realizada. Por que? Porque a tecnologia multiplicou as interações e acelerou a capacidade de reagir a elas. E a reação rápida de base emocional nem sempre é a melhor do ponto de vista racional. A TIC acaba por produzir tics (nervosos).

O culto ao instantâneo tem dois efeitos maléficos: 1) a frustração de verificar que mesmo com ferramentas mais rápidas, versáteis e portáteis, a capacidade de entendimento não aumenta; 2) o estreitamento do horizonte de tempo, priorizando a adaptação às circunstâncias imediatas em detrimento de uma visão crítica que possa modificá-las no longo prazo. Assim cria-se uma distorção da perspectiva do tempo e da vida e o que preocupa é que esses efeitos afetam ainda mais, e cada vez mais, os jovens.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Cap. 1 - Escravos do Tempo - Parte 2


Tempo Acelerado – Vida Saturada

Nossos antepassados percebiam o tempo pela passagem dos dias, pelas variações climáticas, pelos ciclos de nascimento e morte. A vida era feita de acontecimentos naturais e cíclicos, dos quais o homem participava, mais ou menos passivamente, integrado à natureza, como parte do ciclo. Já, na vida moderna, os acontecimentos são convenções. É a hora de acordar, a hora do trabalho, a hora do almoço, a hora do jogo, a hora da novela, a hora do noticiário, a hora de dormir. O tempo dos homens não se submete mais aos ciclos naturais. O homem cria eventos, é o senhor das horas, o dono do tempo. Programa e sincroniza tudo para que a organização artificial da rede econômica funcione a contento. E, a cada dia, novas convenções são criadas, na forma de produtos e serviços que multiplicam os acontecimentos amarrando o homem à velocidade das máquinas. Assim, o tempo se acelera, pois a mesma duração é povoada por um número cada vez maior de eventos. O tempo pós-moderno é mais rico, mais coisas se criam, mudam e desaparecem a uma velocidade cada vez maior. Mas, a aceleração das mudanças traz embutido o aumento do risco, vive-se em permanente crise. O ritmo do mundo artificial está acima da capacidade do organismo natural. Tentando dar conta de tudo, o homem deixa de dar-se conta de si e perde o controle de suas emoções.

A cada instante novas oportunidades se descortinam em todos os campos, de maneira interligada e interdependente: na vida profissional e na pessoal, no lazer e no trabalho. Os interesses, os vários papéis que assumimos espicaçados pelas inúmeras ofertas e possibilidades, também se multiplicam. Atualmente, é raro encontrar uma pessoa que tenha uma única área de interesse. Cada vez mais, pode-se conhecer mais sobre mais assuntos, experimentar mais situações distintas, abrir-se a novos pontos de vista. Os profissionais tornam-se especialistas-generalistas. E, na ânsia de realizar tanto em tantos e distintos campos, no afã de aproveitar as muitas oportunidades que se descortinam, saturam a própria disponibilidade. Vivem ansiosos, com um grande medo de perder tempo.

Por medo de “perder tempo” todos se ocupam rapidamente. Reagem às demandas e oportunidades saturando o tempo com atividades. Contraditoriamente, queixam-se da falta de tempo livre, mas logo tratam de ocupá-lo. Vivem na urgência, acossados pela perspectiva da perda, tangidos pelas demandas, sem tempo para questionar.

Mas tempo livre não é tempo ocioso, e sim aquele cujo uso é decidido livremente, conforme as próprias prioridades. É justamente quando se questiona sobre o que fazer no tempo livre, que surgem, de fato, as questões fundamentais sobre o que se quer da vida (sentido) e quem se é afinal (identidade). Então, o uso do tempo torna-se uma questão ética. Ocupadas e sem tempo livre para pensar, as pessoas perdem o sentido da vida e tudo que fazem parece irrelevante. Levadas pelas circunstâncias, reagem como vítimas do tempo.

domingo, 21 de junho de 2009

Diário da ICANN Sydney 22-06-2009

Chegamos a Sydney às 7h30 de um sábado chuvoso depois de 29 horas de vôo. Somem 13 horas no fuso horário e o correspondente jet lag e me desculparão por não ter assistido à reunião das 9h. Entretanto, das 13h às 18h30 participei da reunião do GNSO e à noite tive um jantar/reunião da ISPCP Constituency. A reunião terminou às 22h, pois arriscávamos afogar de cara no prato de sopa, de tanto sono.

A palavra somem no parágrafo anterior é propositalmente ambígua. Significa tanto "somar" (somem vocês 13 horas a mais) quanto "sumir" - 13 horas sumiram da minha vida. Interessante sensação, parece que me adiantei no tempo. Escrevo agora as 5h30 da manhã de segunda enquanto vocês aí no Brasil ainda estão curtindo o finalzinho do domingo.

É preciso entender a estrutura da ICANN (http://www.icann.org/en/structure/) para compreender os relatos que se seguirão.

O órgão máximo é o Board (Conselho Diretor). Os diretores não são remunerados, nem mesmo o Presidente do Conselho - aliás, isso é uma das discussões em curso. A função executiva remunerada é desempenhada pelo CEO e o pessoal do staff. Nenhum órgão ou função decisória em toda a estrutura é remunerado, mas sim custeado - despesas para viagem e reuniões.

Quem paga a conta são os "Contratados" representados nas SOs "Supporting Organizations": GNSO ("Generic Names"), ccNSO ("Country Codes") e ASO ("Regions"). O grosso do sustento vem dos contratos com os Registries e Registrars (Contratados "contracted parties" - no jargão ICANN), representados na GNSO. Está em curso a reestruturação do Conselho da GNSO dando mais poder aos Contratados numa estrutura bicameral. De um lado ficarão os Contratados e do outro os Usuários (termo que a ICANN não usa). Nesta reunião de Sydney, o Conselho se reúne pela última vez na estrutura anterior. Com mais poder para quem paga a conta, o mercado de registro de domínios tende a crescer. Por isso, o assunto dominante na ICANN é a abertura para novos Domínios Genéricos de Primeiro Nível (gTLDs). Mais adiante.

Poder pode ser grana ou voto. Na governança da Internet, os EUA querem dar poder à grana, o resto do mundo quer dar poder ao voto. Na ICANN, os governos estão representados no GAC (Government Advisory Committee) - uma espécie de ONU. Interessante: a ONU abaixo de um Conselho e no mesmo nível dos Contratados. Obviamente, os governos ficam furibundos. Há briga (diplomática) no GAC e multiplicam-se fóruns para discutir a governança da Internet fora da ICANN, com o intuito de transferir seu poder para a esfera da ONU ou de uma organização multistakeholder mais internacionalizada a ser criada.

A grande novidade do conceito "multistakeholder" é o poder de fiel de balança (entre a grana e o voto) dado ao terceiro setor. Leia-se ONGs ou o jargão "sociedade civil organizada", representada na ICANN através da ALAC (At Large Advisory Committee). O problema aqui é a legitimidade e a força da representação. Surge um novo tipo de "empreendedor sem grana" ou "representante sem voto", que organiza e representa uma causa, um setor, etc. Não deixa de ser uma iniciativa privada, mas o problema é o etc. Por aí corre-se o risco de entrarem interesses ilegítimos. E o fiel da balança pode pender ora para a grana (dinheiro privado) ora para o voto (dinheiro público) [1].

A estrutura se completa com os órgãos mais técnicos: RSSSAC, que reúne os responsáveis pela operação dos servidores da raiz; SSAC, comitê assessor para segurança e estabilidade do sistema DNS. Algumas organizações de caráter técnico existentes à época da constituição da ICANN ganharam representação na sua estrutura. O IETF tem um destaque especial e criou-se um Grupo de Ligação, composto por 4 outras entidades: European Telecommunications Standards Institute (ETSI), International Telecommunications Union's Telecommunication Standardization Sector (ITU-T), World Wide Web Consortium (W3C), e o Internet Architecture Board (IAB).

A IANA (Internet Assigned Names Authority) é uma função da ICANN embora historicamente a preceda. A IANA foi criada para cuidar da base de dados da raiz da Internet e organizar a distribuição de endereços IP. Além dos nomes e IPs, todos os parâmetros dos protocolos Internet são armazenados na IANA. Finalmente, a própria documentação da Internet (os RFC) eram uma função da IANA exercida pessoalmente por Jon Postel. Postel, até 1998, ano de sua morte, confundia-se com a própria IANA.[2]

O Brasil, através dos representantes do governo, participa ativamente no GAC e, através do pessoal do NIC, tem certa liderança no CCNSO. O terceiro setor brasileiro também é muito ativo na ALAC. O setor privado participa através das "constituencies" do GNSO. A representação privada brasileira é mais tímida, pois o setor privado brasileiro como um todo demonstra pouco interesse pelo mercado de registro de domínios. Através do LACNIC o Brasil também tem voz na ASO.

Nivaldo Cleto, Flávio Wagner e eu acompanhamos, nos dois primeiros dias, as reuniões do GNSO. Os assuntos em discussão são os novos gTLDs e a reestruturação do GNSO para a estrutura bicameral. Demi Getschko se juntou a nós no domingo. Aliás, o Demi estava no Board da ICANN até agora, mas seu mandato expirou. O Brasil está sem representante no Board.

Em relação aos gTLDs, foram apresentados estudos que embasarão a terceira revisão do Manual de Qualificação (Applicant Guidebook) para registro de novos gTLDs, cuja edição está prevista para setembro. Os estudos cobrem o que no jargão da ICANN é chamado de "questões globais" ("overarching issues"): Proteção de Marcas; Potencial para Comportamento Ilícito; Escalabilidade da Raiz; Análise de Custos e Benefícios para o Usuário. Se tudo correr como previsto, no fim do ano começarão a ser avaliadas as solicitações de novos domínios de primeiro nível. Hoje são 21 os existentes[3].

Quanto à revisão da estrutura, a reunião foi uma tediosa edição de texto, pois as grandes decisões já haviam sido tomadas e agora se trata de votar o detalhe. Embora digam que é no detalhe que o diabo se esconde, confesso que não consegui enxergá-lo. Talvez por falta de malícia suficiente.


[1] Interpretação liberal. "There is no free lunch", poder se traduz sempre em dinheiro.

[2] Devo este esclarecimento ao Demi

[3] Postei a lista em http://jaime-wagner.blogspot.com/

Lista dos gTLDs existentes

Genéricos e Genéricos Restritos
.BIZ
.COM
.INFO
.NAME
.NET
.ORG
.PRO

Genéricos Patrocinados (sponsored)
.ARPA (RESERVADO PARA OPERAÇÕES DE INFRAESTRUTURA DA IANA)
.AERO
.ASIA
.CAT
.COOP
.EDU
.GOV (RESERVADO PARA O GOVERNO AMERICANO)
.INT
.JOBS
.MIL (RESERVADO PARA DEPTO DE DEFESA AMERICANO)
.MOBI
.MUSEUM
.PRO
.TEL
.TRAVEL

sábado, 20 de junho de 2009

Diário da ICANN Sydney – 21-06-2009

A ICANN (http://www.icann.org/) é uma ilustre desconhecida no Brasil, mesmo entre aqueles que trabalham com Internet, que sofrem as consequências das suas decisões e participam, marginalmente, das oportunidades abertas por ela.

Estarei relatando minha participação no 35º Encontro da ICANN em Sydney, Austrália, mas este primeiro artigo visa explicar o que é a ICANN. Tentarei ser breve e didático, mas é impossível deixar de usar siglas, já que a ICANN e seus órgãos formam uma constelação de siglas ininteligíveis.

A criação da ICANN marca o início da internacionalização da governança da Internet, processo ainda em curso. Governança da Internet soa estranho, pois nenhum governo tem poder sobre a rede como um todo. A ICANN não manda na Internet, mas sim regula o DNS. O núcleo da Internet é o seu sistema de endereçamento hierárquico (DNS - Domain Name System), que permite mapear nomes de domínios em endereços IP, identificando qualquer máquina na rede e permitindo a troca de mensagens entre elas. A ICANN distribui endereços IP e supervisiona o registro de domínios em todo o mundo.

A Internet é uma criação americana, porém Clinton entregou à ICANN a missão de regular o DNS. De fato, a governança da Internet ainda é americana, pois a ICANN é uma ONG organizada sob as leis da Califórnia e está sujeita a um acordo (JPA) que dá poder de veto ao Departamento de Comércio dos EUA. Seja por receio de entregar poder a outros governos e, ao mesmo tempo, desejo de manter o caráter internacional da rede, seja por inclinação liberal e visionária inspirada em suas origens acadêmicas, a ICANN foi criada com um sistema de gestão "multistakeholder", colegiado envolvendo governo, academia, iniciativa privada e sociedade civil organizada. Modelo, aliás, que serviu de inspiração para o CGI.br.

Além da importância estratégica como chave para o funcionamento da Internet, o DNS também constitui um mercado: o de registro de domínios. Mercado cartorial, equivalente aos registros civil e de imóveis no mundo real, sua exploração é entregue pela ICANN a "Registries" [1]. O "Registry" é uma empresa ou organização que explora um Domínio de Primeiro Nível (TLD - Top Level Domain) a título oneroso (ou não) e repassa a "Registrars" a tarefa de vender (ou dar) os domínios de segundo ou terceiro nível aos usuários. A Verisign e a Affilias são Registries de gTLDS. O NIC.br é o Registry do ccTLD “.br”, responsável pelo registro de todos os domínios que terminam com “.br”. Os provedores brasileiros (UOL, Terra, Locaweb, iG, etc) representam o papel de Registrars tanto revendendo domínios para o NIC.br quanto para a Verisign. Outros operadores de gTLDs não são muito ativos no mercado brasileiro.

Um "Registry" pode criar domínios de segundo nível, mas deve obedecer a critérios da ICANN para isso. O "Registrar", por sua vez, pode vender tantos domínios de terceiro nível quanto queira. Suas obrigações são de manter um cadastro dos seus usuários e operar o respectivo servidor de DNS.

A receita da venda de domínios no terceiro nível não chega a viabilizar uma empresa de porte, constituindo-se, no mais das vezes, numa receita complementar de provedores de outros serviços na Internet. Até pode haver um mercado no segundo nível, dependendo das condições. Entretanto, no primeiro nível, o mercado de domínios é bastante interessante. A receita anual da Verisign é de US$ 1,15 bilhão e a do NIC.br é de R$ 60 milhões. Os empreendedores brasileiros, por ignorância, têm desprezado este mercado. Há uma janela de oportunidade aberta na medida em que se discutem as regras (bem mais estritas que as existentes) para a criação de novos gTLDs.


[1] A estrutura do DNS é uma árvore, criada sob inspiração de acadêmicos (americanos) custeados pelo governo (americano). A raiz é o "ponto" ("dot"). Acima da raiz estão os Domínios de Primeiro Nível ou TLDs (Top Level Domains) sempre grafados com o "ponto" na frente (.com, .net, .br, .us).
No início, quando a Internet ainda era exclusivamente americana, os TLDs tinham apenas três letras que mapeavam o mundo (os EUA) em comunidades de interesses (gov, org, edu, com). Com a internacionalização da Internet criou-se a categoria dos Códigos de Países (ccTLDs - Country Codes Top Level Domains) com dois dígitos (".br", ".us", ".fr", ".ar") e ps TLDs já existentes passaram a ser chamados de genéricos (gTLDs). A definição do registry autorizado a explorar os ccTLDs foi deixada a cargo de cada país. No Brasil, o CGI foi criado para essa finalidade.
Eventualmente, a exploração de alguns gTLDs foi repassada à empresa Verisign, junto com a responsabilidade pela operação dos servidores da raiz. Posteriormente, a pressão por concorrência no mercado de domínios levou a ICANN a criar novos gTLDs (com 3 letras ou mais, por exemplo “.travel”, “.mobi”, “.asia”), autorizando novos "registries" a explorá-los. A ICANN também foi levada a forçar a Verisign a entregar a outra empresa a exploração do domínio .org.
Mais acima (ou na frente) do primeiro nível, vem o segundo nível, e assim por diante. Quase todos os países (ccTLDS) adotaram as mesmas categorias de três letras existentes no primeiro nível genérico para os seus segundos níveis. Assim, temos ".com.br" e ".gov.br" como exemplos de domínios de segundo nível do ccTLD ".br". Vale lembrar que o ".com" é um gTLD de primeiro nível explorado pela Verisign, que repassou a exploração do domínio de segundo nível ".br.com" a um Registrar privado, no caso uma pequena empresa inglesa.

sábado, 13 de junho de 2009

Princípios para a Internet no Brasil

Faço uma pausa na publicação do livro para relatar a conclusão de um importante trabalho de mais de ano no CGI.br. A Carta de Princípios para a Internet no Brasil foi objeto de ampla discussão e difícil consenso. Os Princípios pretendem orientar toda ação e decisão que possa afetar a Internet, tanto por parte de órgãos do governo como da sociedade civil. Para alcançar eficácia, devem ser objeto de ampla divulgação. Apesar da pífia visitação deste blog, faço aqui a minha parte.

Princípios para a Internet no Brasil

1. Liberdade, privacidade e direitos humanos
O uso da Internet deve guiar-se pelos princípios de liberdade de expressãode privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos humanos, reconhecendo-os como fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e democrática.


2. Governança democrática e colaborativa
A governança da Internet deve ser exercida de forma transparente, multilateral e democrática, com a participação dos vários setores da sociedade, preservando e estimulando o seu caráter de criação coletiva.

3. Universalidade
O acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em benefício de todos.

4. Diversidade
A diversidade cultural deve ser respeitada e preservada e sua expressão deve ser estimulada, sem a imposição de crenças, costumes ou valores.

5. Inovação
A governança da Internet deve promover a contínua evolução e ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso.

6. Neutralidade da rede
Filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou favorecimento.

7. Inimputabilidade da rede
O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos.

8. Funcionalidade, segurança e estabilidade
A estabilidade, a segurança e a funcionalidade globais da rede devem ser preservadas de forma ativa através de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e estímulo ao uso das boas práticas.

9. Padronização e interoperabilidade
A Internet deve basear-se em padrões abertos que permitam a interoperabilidade e a participação de todos em seu desenvolvimento.

10. Ambiente legal e regulatório
O ambiente legal e regulatório deve preservar a dinâmica da Internet como espaço de colaboração.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Cap. 1 - Escravos do Tempo - Parte 1

It’s still the same old story,
A fight for love and glory,
A case of do or die.

As Time Goes By
(música do filme Casablanca)
letra e música de Herman Hupfeld

Na República [1], Platão divide as pessoas em três classes, de acordo com a natureza de suas almas: os homens de ouro (natureza racional), os de prata (natureza espiritual) e os de ferro ou bronze (natureza apetitiva). Embora todas as almas contenham todos os três elementos, há uma natureza distintiva, determinada pelo elemento dominante.

Para Platão os homens de ouro estão no topo da hierarquia como aqueles que, pela via da racionalidade, aprendem a reconhecer o que é o “bem em si”, o “valor verdadeiro”, apresentam um comportamento ético e equilibrado, cultivam as virtudes e realizam o seu potencial humano, buscando sempre o aprofundamento do saber através da reflexão filosófica. Para Platão, apenas a alma racional pode vislumbrar o conhecimento “verdadeiro” das idéias por trás das coisas e assumir completamente a responsabilidade pelo seu destino. Os homens de ouro constituiriam a “classe ociosa” dedicada à filosofia – estudo e contemplação das idéias e da verdade –, à arte – criação e contemplação do belo – e à política como administração da justiça. No mundo grego, a verdade, a beleza e a justiça eram os valores máximos. Utilidade, técnica e economia não eram valores, mas encargos. O ócio era um atributo nobre e o trabalho um encargo vil.

Os homens de ouro seriam os únicos que poderiam alcançar a verdadeira felicidade, pois tinham aquilo que os gregos chamavam de sofrosyne. Moderação, sobriedade, temperança, chegam perto do seu significado de meio termo entre impulsividade e insensibilidade. Somos sofron quando nos recusamos a ser pegos pelo imediatismo de uma situação, quando consideramos as conseqüências futuras de nossos atos. Talvez a melhor tradução de sofrosyne seja aquilo que hoje se entende por inteligência emocional [2].

Na base inferior da pirâmide platônica, os homens de ferro consomem a vida em prazeres imediatos ou afundados na rotina cotidiana, sem consciência de si mesmos e sem o comando da própria vida, condenados a uma vida servil e alienada.

A forma ideal de governo preconizada por Platão, na República, era a aristocracia ou governo dos melhores[3]. A aristocracia helênica não privilegiava sangue ou classe, mas repousava na distinção entre os que conhecem a si mesmos e vivem a verdade e aqueles que não o fazem. Qualquer um poderia ascender nesta escala desde que aprendesse a dominar sua vontade e a praticar a racionalidade.

Para os helênicos a alma se sobrepunha ao corpo, e a razão seria o principal atributo da alma, única forma de conhecer as idéias, consideradas mais verdadeiras do que as coisas. O cristianismo substitui a razão pela fé, mantém o primado da alma, mas a razão não basta para atingir a verdade. Trata-se, então, de ser iluminado por Deus. A idéia de Deus só é intuída por um ato de Sua graça. O clero torna-se uma nova classe ociosa a dedicar-se aos serviços espirituais, voltados para a busca de graça e da salvação. Mais tarde, o Renascimento marca a volta do ideal grego da razão como fonte de todo conhecimento, porém o conhecimento dos fatos (a ciência) se sobrepõe ao conhecimento das idéias (a filosofia). A ciência se torna prática, gerando a tecnologia e a indústria. O mundo passa a girar em torno da economia e a utilidade se torna o grande critério de valor. Protestantismo, liberalismo e marxismo, a religião e as ideologias da sociedade industrial condenam o ócio, e o trabalho passa a ser o grande criador de valor, num mundo essencialmente econômico.

Na filosofia moral, a razão pura, como origem de todo bem, encontra em Kant sua expressão máxima, para se revelar em Schopenhauer, como a outra face de uma abnegação (ou negação de si mesmo) que leva a uma frieza mortal e à negação da vida. É Nietzsche quem reage e coloca o corpo, a emoção e o indivíduo numa posição privilegiada. Neste caminho, surgem a psicanálise de Freud e a psicologia científica de Pavlov e Skinner a mostrar que os motivos do comportamento humano têm componentes inconscientes e subconscientes que a razão desconhece; surge Marx e as ciências sociais a mostrar que as condições sociais e históricas determinam comportamentos, valores e idéias; Darwin vem mostrar que o homem é apenas uma espécie entre outras; e, por fim, a ecologia mostra que apesar de todo progresso material, ou melhor, por causa dele, talvez essa espécie não seja a mais apta a sobreviver. Essa é a famosa desconstrução pós-moderna da razão: a noção de que a razão pode não ser a luz a iluminar a escolha da ação futura, e que é muitas vezes uma desculpa para a ação passada, permitindo que o homem não depare com o seu lado negro e possa esconder da própria consciência motivos desagradáveis que atestam o pecado original de sua animalidade congênita.

Os helênicos constituíram uma civilização admirável, berço de toda a civilização ocidental, racional e científica. Entretanto, a sociedade helênica era nitidamente excludente. Seu conceito de cidadão excluía as mulheres e os não-helênicos. Além disso, o ideal platônico baseava-se na negação das emoções e dos instintos, o que Freud chamou de repressão e acusou como a causa de muitas doenças da mente e do corpo. Entretanto, o ideal grego do filósofo parece encerrar alguma verdade. Nesse sentido, as pessoas se dividem em dois tipos. As pessoas verdadeiramente livres, que praticam a filosofia, conhecendo a si mesmas (inclusive suas imperfeições) e assumindo a responsabilidade pelo que fazem do seu tempo; e as pessoas ocupadas que, por coerção, necessidade, estreiteza de visão, ou imaturidade emocional, têm o seu tempo ocupado, determinado externamente e apenas subsistem como escravos do tempo.

Na civilização ocidental pós-moderna, baseada em sistemas de informação e troca em escala global, o problema da liberdade ressurge de maneira muito viva. Há quatro séculos instituiu-se o modo de vida capitalista, calcado no emprego: uma troca de trabalho, medido em tempo, por dinheiro. Girando em torno do emprego, os três conceitos se confundem. Tempo, trabalho e dinheiro parecem ser três aspectos de uma mesma realidade. Entretanto, ao pensar melhor deve-se reconhecer que tempo, dinheiro e trabalho são conceitos distintos. Tempo é vida, dinheiro é reserva de valor ou meio de troca, e trabalho é geração de valor.

Tem-se, hoje, um acesso muito mais democrático ao conhecimento. O conhecimento e a sabedoria acumulados são muito mais variados e profundos do que o eram na Grécia. O desenvolvimento tecnológico e o aumento da produtividade do trabalho permitem que, em termos médios, as pessoas tenham mais tempo livre. O desenvolvimento da medicina e das condições de higiene aumentaram a expectativa de vida média. Ou seja, a possibilidade de ócio é maior e para mais gente. Mas, embora em termos absolutos (e mesmo em termos relativos) existam, hoje, mais “homens de ouro” do que na Grécia antiga, o modus vivendi moderno tende a condicionar a proliferação de “homens de ferro”, verdadeiros escravos do tempo. A grande maioria “não tem tempo” para cultivar outros valores que não se traduzam em dinheiro e consumo.

[1] PLATÃO. República. Livro III.
[2] GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro, Objetiva, 1995.
[3] Em grego aristos significa “o melhor”.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Introdução - O que você encontra neste livro?

Mesmo escolhendo consciente e racionalmente o caminho do auto-aperfeiçoamento é difícil segui-lo e manter-se nele. O uso de ferramentas facilita o trabalho e a disciplina necessários. As ferramentas, no caso, compõem um Sistema de Planejamento Pessoal (SPP). É preciso conhecê-las bem para melhor utilizá-las. Assim, este volume em parte é um livro e em parte um manual de uso de um SPP. Um livro é escrito para ser lido seqüencialmente. Já um manual é feito para ser consultado aleatoriamente quando necessário, embora também devesse ser lido todo. O roteiro a seguir visa orientar o leitor na leitura do livro e na consulta ao manual.

O primeiro capítulo é livro puro e caracteriza o problema do tempo na vida moderna. Quais fatores fazem com que, cada vez mais, nos comportemos como escravos do tempo.

Depois de caracterizar o problema, o manual da solução inicia no segundo capítulo. Mostra-se o que é um Sistema de Planejamento Pessoal e porque o seu uso adequado ajuda a nos tornarmos menos escravos do tempo.

O capítulo III é livro de novo, mas é uma parte fundamental para compreender o manual. A partir de uma reflexão sobre o tempo, mostra-se que administrá-lo é essencialmente definir prioridades. Analisam-se os conceitos de prioridade, urgência e importância, bem como diversos métodos de priorização e propõe-se o método ABC como o mais adequado. Por fim, mostra-se que a administração do tempo consiste, essencialmente, na capacidade de agir conscientemente e como a nossa tendência natural para a reatividade dificulta essa tarefa. Nesta edição, retirei deste capítulo as dicas para vencer a tendência à protelação, passando-as para o novo capítulo VI.

O capítulo IV propõe uma série de reflexões e exercícios sobre as questões que constituem a pedra fundamental da disciplina em relação ao tempo e à vida. Nele você encontra dicas e orientações para descrever e priorizar seus valores fundamentais, identificar seus papéis significativos e fazer uma declaração de missão pessoal.

O capítulo V introduz o conceito de Planejamento como processo em quatro níveis: político, estratégico, tático e operacional. O manual prático aqui se aplica ao horizonte de tempo mais longo ou profundo, na definição de metas pessoais.

Como já disse, a maior modificação desta nova edição está no horizonte tático do dia-a-dia, ao qual é dedicado o capítulo VI. A partir de uma análise detalhada, são dadas dicas objetivas, com formulários que ajudam a planejar o dia-a-dia, a lidar com o imprevisto e evitar o acúmulo de pendências.

O capítulo VII, que trata do planejamento estratégico ainda está em fase de revisão. Pretendo agregar aos conceitos da Gerência de Projetos segundo o paradigma da cascata de fases, que já aparecia na primeira edição, os conceitos dos métodos ágeis, bem como algumas considerações oriundas da minha experiência na gestão de equipes para a realização de projetos complexos.

Finalmente, o capítulo VIII se volta para o presente. Defende-se o ponto de vista de que anotar é a melhor forma de prestar atenção ao presente que efetivamente acontece e de recuperá-lo como passado imediato. Mostra-se que o que acontece no dia-a-dia é uma série de contatos que envolvem troca de informação e analisam-se os tipos de informação bem como as formas de organizá-la.

O livro termina com dois apêndices para aqueles que têm um pendor mais filosófico e queiram conhecer as bases que fundamentam muitos dos conceitos expressos ao longo do livro. No primeiro, são analisadas várias visões conceituais sobre o tempo. No segundo, fala-se um pouco sobre a ética, como filosofia da ação e dos valores.

Você pode usar este livro para aprender a realizar mais em menos tempo e ser mais eficiente no trabalho. Já relatei que esta foi também a minha motivação inicial quando, em 1987, participei de um primeiro curso de Administração do Tempo. Muitos que escrevem sobre este tema adotam o paradigma da eficiência, ensinando técnicas de organização voltadas para a vida profissional. Não descarto a validade e a importância dessas técnicas, que também fazem parte deste livro, mas prefiro a escola da eficácia. Segundo esta vertente, a administração do tempo é uma questão vital que abarca todas as esferas da vida de um indivíduo e não apenas a dimensão profissional. Minha experiência tem demonstrado que a disciplina de administrar o tempo dentro do paradigma da eficácia (fazer o que importa ao invés de fazer mais) é uma excelente ajuda na vida pessoal, produzindo mais realização e felicidade. Portanto, espero sinceramente que este livro e o sistema PowerSelf possam ajudar muitas pessoas a serem mais eficazes em suas vidas, de modo integral.

Nas livrarias e bibliotecas, os autores da escola da eficiência serão encontrados, provavelmente, na estante de livros sobre administração. Já os livros da escola da eficácia, podem estar na estante de administração, na de psicologia, filosofia ou na dos livros de auto-ajuda. À semelhança desses autores, acredito que a melhor forma de uma empresa maximizar seus resultados é contar com profissionais maduros, equilibrados e felizes. Esta abordagem começa com a constatação de que tempo é vida.

“Amar a Vida é amar o tempo. Tempo é aquilo do que a vida é feita.”
Benjamin Franklin

Portanto: tempo fragmentado, vida fragmentada; tempo atribulado, vida atribulada. Por outro lado: tempo flexível, vida livre; tempo controlado, vida organizada.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Introdução - O que é PowerSelf?

PowerSelf é um conceito - do inglês power (força, poder) e self (o eu, o si mesmo). PowerSelf significa portanto “fortalecimento do eu” ou o "aperfeiçoamento de si mesmo". O empowerment ou aumento de potência pessoal, no sentido de desenvolver as capacidades necessárias para fazer o que se quer ou se julga certo. Porém, o cultivo do self não significa egoísmo. Self é a unidade e unicidade do indivíduo singular, separado e, paralelamente, integrado ao mundo e aos outros eus que constituem a sociedade, com uma capacidade única e paradoxal de adaptação à realidade e de transformação desta mesma realidade. Self é o todo integral da pessoa, aquela autopercepção de unidade na multiplicidade de necessidades, papéis sociais e valores conflitantes que constituem a sua identidade.

Creio que através do fortalecimento do Self a pessoa evolui e supera suas limitações e, por outro lado, é capaz de aceitar-se como imperfeita. Somente um self fortalecido consegue assumir um maior controle de sua vida e de seu tempo, sem, entretanto, querer controlar tudo. Mas este fortalecimento não é algo que se possa adquirir, não é algo que possa ser dado por alguém, não é uma dádiva. É um processo, um caminho a ser trilhado pela própria pessoa e que envolve dois movimentos. De um lado, a ampliação do conhecimento e da compreensão de si mesmo e da realidade. De outro, a ampliação da responsabilidade pelas próprias escolhas e pela condução da própria vida.

Creio que este caminho pode ser percorrido através do exercício sistemático e continuado de três movimentos da atenção a atenção ao presente (percepção), a atenção ao futuro (planejamento) e a atenção ao passado (reflexão), hábitos fundamentais para a correta administração do tempo e da vida.

A reflexão é a base do conhecimento de si mesmo e do mundo, aprimorando sempre uma visão da realidade mais livre de preconceitos, crenças limitantes e expectativas irreais.

O planejamento é a chave para cumprir compromissos. Quando os desejos e sonhos se tornam compromissos consigo mesmo (metas pessoais), cumpri-los é afirmar sua identidade única e a realizar-se como pessoa. Quando os compromissos com os outros são assumidos de forma consciente, tornam-se compromissos pessoais, cujo cumprimento é a base da confiança, do crédito pessoal e da auto-estima.

A atenção ao presente é a única maneira de viver com qualidade, pois é só no presente que se vive.

Esses três hábitos são movimentos da atenção dirigidos às três dimensões do tempo agostiniano (ver Apêndice I). O planejamento é a disciplina de voltar a atenção para o futuro, para o que se deseja e para o que se quer evitar. A reflexão é a disciplina de voltar a atenção para o passado, para o que se conhece, para quem se é (na medida em que a identidade é o resultado de escolhas e experiências anteriores), para o que se fez e para o que aconteceu e, daí, retirar novos aprendizados. A atenção ao presente é a disciplina de vivenciar a experiência imediata, ampliando a percepção.

Esses conceitos se materializam num método e num Sistema de Planejamento Pessoal (Power Planner). PowerSelf também é o nome da empresa criada para divulgar o conceito, o método e o sistema. A PowerSelf oferece cursos e palestras sobre o método e também fornece as agendas e organizers que o incorporam. A missão da PowerSelf é ajudar as pessoas a realizar seu potencial, através da melhor compreensão e utilização do seu tempo.

O importante é o método, o algoritmo, o software que se executa para se conseguir resultados. O sistema PowerSelf é um hardware – uma ferramenta – projetado para facilitar a execução do algoritmo. Mas, na verdade, o hardware onde roda o algoritmo da gestão do tempo e da vida é o cérebro. Voltaremos a isso no capítulo II.

O método pode ser resumido em alguns passos:

  1. Reflexão inicial para definir valores fundamentais e metas de longo prazo.
  2. No início de cada mês: planejamento e acompanhamento dos projetos de longo prazo.
  3. A cada fim de semana: avaliação da semana passada e planejamento da semana entrante, com foco no longo prazo e no equilíbrio pessoal.

    Diariamente:

    a. No início do dia. Revisão e indexação das anotações do dia anterior, planejando as ações demandadas. Fazer um Plano Diário, distinguindo ações de compromissos com hora marcada e priorizando as ações em ABC. Confirmação ou renegociação dos compromissos com hora previamente agendados.

    b. Ao longo do dia. Marcação de compromissos futuros negociando tempo livre adequado. No tempo livre, alternar entre a rotina, as prioridades e as urgências inesperadas. Anotação sistemática dos contatos, eventos e idéias.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Prefácio à Primeira Edição - Ricardo Felizzola

“Minha filosofia, na sua essência, é o conceito de Homem como um ser heróico, tendo a felicidade como o propósito moral de sua vida, a conquista produtiva como sua mais nobre atividade, e a razão como seu único referencial.”
Ayn Rand


Este livro é uma conquista produtiva do autor, que busca disseminar uma coisa simples: como cada um de nós pode ser mais feliz administrando melhor o seu tempo, a sua vida. A contribuição aqui registrada é muito maior do que simplesmente ensinar os leitores a utilizar ferramentas que vão facilitar a execução de tarefas, que vão evitar esquecimentos, que vão permitir a comunicação segura ou o encontro ideal com um amigo, amiga ou quem sabe o seu futuro chefe. Trata-se de apontar um caminho para, através de um método, ser mais feliz, ser mais produtivo, ser racional no uso do seu maior valor: o tempo.

A capacitação para escrever esta obra é fundamentada na experiência de vida do autor como professor universitário, empresário e amante da filosofia. Trata-se de um amigo que há muito vive e experimenta o tema, comentando, lendo e se preparando para a partir de um momento decisivo criar algo de significativa grandeza como este livro. Cabe a nós aproveitar o texto, pois mais do que inspiração se trata do resultado de um trabalho intenso de pesquisa, experiência e vivência emocional profunda com todos os aspectos que permeiam o ato de existir momento a momento. Cabe a nós atentar para os processos descritos que podem realmente MUDAR a nossa vida e seguramente para MELHOR!

Confesso que pratico, de forma rebelde até, muitos dos conceitos e métodos que aqui vão ser detalhados e confesso também que isto me faz às vezes pensar que faço coisas demais. No entanto no fim de cada dia, de cada semana, de cada mês, ao refletir sobre o que se passa em minha vida, um sentimento de satisfação me percorre e a primeira impressão é substituída por um prazer intenso. Um sentimento de ter realizado o mais importante e da forma mais produtiva. Assim é com meu trabalho, minha família, com meus amigos, com os círculos que freqüento e em onde disponho dos meus momentos presentes. Aprendi muito com os conceitos do meu amigo Jaime Wagner, autor deste livro. Muito mais do que ele pensa ou acredita e este pequeno segredo eu torno público aqui de forma indelével e para sempre selando o assunto e aproveitando de forma matreira a oportunidade.

Aprender com pessoas que tem paixão pelo que fazem é aprender com heróis, é convencer-se. Estou convencido que os conceitos que são detalhados no livro servem na vida profissional e pessoal. Educam e produzem mais atividade, mais energia, mais ações importantes para cada um de nós, indivíduos, mais atenções para os que amamos, para os que consideramos. Meu convencimento vem da prática, da vivência e de resultados que obtive usando muitos destes conceitos. A paixão do autor pelo assunto é fácil de testemunhar, sua capacidade intelectual lhe permitiu elaborar um livro prático e ao mesmo tempo desafiador em termos de reflexão pessoal, de estímulo à mudança de comportamento, de levar a sério a vida que recebemos de nossos pais. Aproveitar esta paixão e aprender com este livro é uma oportunidade inequívoca de ser mais feliz.

Registrar este depoimento tem um propósito: despertar em você, leitor, um interesse que não se esgote nas primeiras páginas ou no folhar deste volume ou ainda após uma primeira leitura. Aconselho que o que for exposto adiante deva ser lido e relido, de forma a ser completamente absorvido e se transformar em disciplina, em costume, em hábito. A partir disto eu asseguro estará se iniciando na vida de cada um, um novo processo, um novo momento. O hábito de viver o momento presente, com a atividade mais importante sendo exercida, eleita que foi de uma reflexão intensa e metódica é completamente poderoso. A capacidade de entender este processo é o diferencial que o livro traz nos textos de um autor entusiasmado que não poupa conhecimento no assunto.

Por fim cabe ainda ressaltar o contexto em que vivemos, onde obras como estas chegam de fora trazendo cultura que não é a nossa. Aqui também há um diferencial: este livro considera o momento brasileiro. Momento este que necessita de ferramentas de produtividade e de felicidade para a construção de um país que prospere mais rápido e que pertença a pessoas mais felizes. A colaboração intrínseca para a formação cultural e profissional que o Jaime nos traz preenche a lacuna que uma educação formal as vezes esquece e que nos deixa sem método para enfrentar os desafios dos tempos modernos.

Trata-se de leitura de alto valor. Aproveitem bem o seu tempo desfrutando-a no detalhe.

Introdução - A Doença do Tempo

Não sou um “mestre do tempo”, mas sim um típico “doente do tempo”. A doença do tempo tem três sintomas: a “falta de tempo”, o medo de “perder tempo” e, o pior de todos, “o excesso de tempo”.

A doença do tempo é uma doença moderna. A produtividade do trabalho aumentou, mas paradoxalmente, as pessoas têm cada vez menos tempo para si mesmas, para se acalentarem e ordenar os pensamentos e sentimentos. Não se trata de figura de retórica. Angústia, ansiedade, fadiga, depressão e estresse excessivo são sintomas orgânicos associados à “doença do tempo”.

Falta tempo e os dias são curtos porque não se consegue dar conta de tantas demandas. Entretanto, convém notar que a força destas demandas reside no fato de serem aceitas. Sempre ocupados, e com medo de “perder tempo”, todos se queixam da falta de tempo, mas não conseguem suportar o tempo livre, ocupando-o com qualquer atividade, ansiosamente. Na sociedade ocidental moderna, produtiva e pragmática, quem não está fazendo alguma coisa, quem está “parado”, só pensando, é um desocupado, um inútil, sem valor. O ócio, que na Grécia antiga era a virtude dos que se dedicavam à contemplação, na ética cristã do trabalho tornou-se o pecado dos indolentes.

Ocupamo-nos para não enfrentar nossa finitude – por medo da morte. Para evitar a consciência de que estamos morrendo um pouco a cada minuto vivido. De que o tempo que passa é um tempo que morreu. Não perder tempo para agarrar-se à vida. Agarrar-se ao presente sem olhar para o longo prazo porque “no longo prazo todos estaremos mortos”, como disse Keynes. Mas é ao aceitar a morte, que se aprende a viver com serenidade. Aprender a viver é aprender a morrer.

Vive-se na urgência, sem tempo para questionamentos mais profundos sobre o sentido da vida, sobre o que se quer no longo prazo. Mas é justamente quando as pessoas se fazem estas questões que o uso do tempo deixa de ser urgente para se tornar vital. Sem tempo livre para pensar e formar juízos, a vida se torna uma seqüência de reações condicionadas e instantâneas às demandas, apelos e ilusões. Perde-se o rumo, e a vida perde o sentido e, jogados de um lado para outro ao sabor das circunstâncias, fica-se “doente do tempo”.

O importante é fazer o que se gosta. Todo mundo gosta de ter prazer: amar, divertir-se. Também é bom, pelo menos por um tempo, simplesmente não fazer nada, deixar o tempo passar. Alguns, ainda, gostam de aprender, enfrentar dificuldades, realizar metas. Por isso, há sempre a alternativa de gostar do que se faz. Aceitar os encargos como missão, assumi-los plenamente. O certo é que, quando se está fazendo algo de que se gosta, estar ocupado é uma bênção. O envolvimento é pleno e total. O problema é o conflito que, muitas vezes, se estabelece entre a pessoa e seus papéis, seus valores e sua missão.

Em um mundo cada vez mais populoso e com recursos limitados, a produtividade é um imperativo e não mais uma opção. Urge produzir. Queira-se ou não, o valor fundamental da vida moderna é a utilidade, em detrimento da verdade, da beleza, da justiça ou da santidade, que já predominaram em outras épocas da civilização. Não se pode mais parar e o trabalho econômico é a principal finalidade da vida, fonte básica de valor e da auto-estima que fundamenta a identidade de cada um. A sociedade de consumo nos martela com uma mensagem fundamentalmente hedonista: o objetivo da vida é poder consumir, felicidade é prazer – e o prazer se compra. Mas o preço do consumo é a produção. É preciso engajar-se no processo produtivo para ganhar o dinheiro para poder consumir e viver. O trabalho é o preço do consumo. O dever de produzir é o preço do prazer de consumir. No mercado de consumo, o homem vira mercadoria e a pessoa vale o que ganha. Mas também há uma vertente da ética moralista a estimular o engajamento produtivo. Na esteira do estoicismo, a mensagem utilitarista defende que o dever de produzir se impõe por si só como dever moral e ético: a pessoa vale o que produz, não o que ganha. Está aí o líder servidor. Daí a noção de tempo como mais um recurso econômico. E, como todo recurso econômico tem seu valor de troca medido em dinheiro, confunde-se tempo com dinheiro, a grande psicopatia coletiva da nossa sociedade.

Entretanto, o pior sintoma da doença do tempo, o “excesso de tempo”, não é excesso de dinheiro, embora seja sim conseqüência das desigualdades econômicas. Em termos de valor econômico, os indivíduos e as sociedades não são iguais em suas possibilidades e se distinguem em pelo menos dois aspectos: dons inatos e possibilidade de acesso a recursos. Tenho um enunciado para a Lei da Gravidade da Riqueza: “O dinheiro atrai o dinheiro na razão direta da carência e na razão inversa do quadrado do medo. Geralmente, os que têm mais riqueza, têm mais produtividade na geração de riqueza. Isto é um fato, por injusto que seja. Com a produtividade crescente, o padrão de vida médio cresce exponencialmente, porém, o padrão de vida maior cresce mais do que o padrão de vida menor. Este fenômeno é efeito da divisão do trabalho e, embora seja mais agudo nas economias de mercado, também acontece nas economias planificadas ou mistas, conseqüência das diferenças de produtividade entre indivíduos e grupos. Assim, embora a qualidade de vida média cresça com o aumento da produtividade global, a desigualdade também aumenta de forma exponencial. Produz-se mais, mas os resultados da produtividade são distribuídos de forma cada vez mais desigual. Assisti uma palestra de Paul Kennedy na qual ele cita um relato hipotético de uma nave alienígena na órbita da Terra reportando inúmeras formas de vida e indicando um fato estranho a respeito de uma delas: a enorme diferença de padrão de vida entre os indivíduos daquela espécie em diferentes partes do globo, enquanto as demais espécies não apresentavam tanta desigualdade. Este aumento progressivo da desigualdade está na raiz da outra característica da sociedade moderna – a competitividade. A chave para o crescimento e o desenvolvimento está no aumento de produtividade ligado ao conhecimento e ao domínio tecnológico. A tendência de distanciamento entre os mais e os menos desenvolvidos ocorre tanto no plano das pessoas, quanto no dos grupos sociais e das nações. Alguns têm mais o que fazer, ou sabem mais o que fazer do que outros. Por exemplo, hoje em dia, quem não sabe operar um computador tem mais dificuldade, não só de encontrar emprego, mas também de ter acesso ao enorme cabedal de informação e de relacionamento disponível na Internet. Atualmente, a produtividade dos que produzem é tanta que bastaria à subsistência de todos. Entretanto, na economia de mercado, a produção se orienta para o consumo de quem produz. Pessoas que não tenham uma educação mais aprimorada, que fazem serviços de rotina, são cada vez menos necessárias, pois realizam tarefas automáticas e repetitivas, substituíveis por máquinas. O fenômeno da exclusão se acelera. Uma parcela cada vez maior da população simplesmente não precisa se educar nem produzir, e subsiste à margem do sistema, vivendo das sobras, da caridade ou do assalto violento ao processo econômico central. De uma forma que é ao mesmo tempo lógica, natural e paradoxal, os que vivem à margem consomem sem produzir, têm excesso de tempo, e assumem o papel de adoradores impotentes e revoltados da vertigem de consumo que comanda este processo.

É interessante como o tempo também se distribui de forma desigual. No centro do processo produtivo falta tempo. Na margem, ele sobra. A analogia geométrica que aqui se faz baseia-se na figura de Alvin Toffler [1] das ondas da economia. No centro do processo situam-se as economias que já chegaram à terceira onda (economia pós-industrial, economia de serviços baseada nas tecnologias da informação); as economias de segunda onda (industriais) estariam numa camada mais externa; as da primeira onda (agrícolas), numa outra mais externa ainda, e o entorno do processo econômico seria ocupado pelos excluídos (economias primitivas). Nesse sentido, a África é mais “marginal” – seu processo econômico está mais distante da terceira onda – do que a América do Sul, e o interior é mais “marginal” do que a cidade. Mas, a analogia geométrica proposta não obedece aos contornos da geografia. Num mesmo país, e até numa mesma cidade, as quatro camadas (ou ondas) coexistem.

O custo subjetivo do aumento da produtividade e da competitividade, o aumento da ansiedade – “o medo de perder tempo” – a pressão da “falta de tempo”, recai exatamente sobre os que produzem. E esta pressão é tão maior quanto mais próximo do centro do processo; nos EUA, mais do que no Brasil; em São Paulo, mais do que em Porto Alegre; em Porto Alegre, mais do que em Alegrete. Porque a cada onda, o processo produtivo se acelera e a competição aumenta. Os profissionais mais qualificados tendem a migrar para os centros do processo, aguçando a competição. Para o centro do processo converge também a acumulação de capital e, complementando a lógica do sistema, o aumento do consumo funciona como uma compensação psicológica para a pressão competitiva.

Entretanto, há uma dor psicológica dupla que acomete os que estão à margem ou nas camadas mais exteriores do processo, dor essa que resulta da comparação com o centro. Ao gerar menos renda na cada camada mais externa as pessoas sentem-se, comparativamente, “piores”. Ao consumir menos, alguns chegam a experimentar privação e carência do supérfluo, mas todos sentem inveja de quem tem mais e de quem faz mais. Marx[2] já notava este fenômeno. Nessa situação, o indivíduo se depara com outro sintoma (o mais doloroso) da doença do tempo: o “excesso de tempo” – o não ter o que fazer no seu nível de qualificação e não saber fazer outra coisa. É aí que a vida perde todo sentido e que a pessoa passa a duvidar do seu próprio valor. Sente-se à beira do abismo, em crise. O tempo e o conhecimento são irreversíveis, e na beira do abismo, só se tem três alternativas: paralisar-se, cair, ou aprender a voar. Aprender a voar é o próprio aprendizado: ir além das suas possibilidades atuais.

Incluo-me no rol dos doentes do tempo, pois padeço ou padeci de todos os três sintomas desta doença. Julgo-me, porém, um doente consciente, que não nega a doença e busca o remédio. Infelizmente, não existe o remédio milagroso. Não basta ler um livro como este, fazer um curso, consultar um terapeuta ou comprar um sistema de planejamento pessoal para conseguir a cura. Tudo isto ajuda, mas a doença precisa ser combatida todos os dias, de forma homeopática, pelo cultivo de bons hábitos de tempo e de vida, revigorando-se a cada dia, porque as recaídas são praticamente inevitáveis.

[1] Toffler, Alvin. A Terceira Onda. 8 ed. Rio de Janeiro: Record, 1980.

[2] Marx, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2002. p.74. “O rápido crescimento do capital produtivo demanda o crescimento rápido da riqueza, da ostentação e das satisfações sociais. Por isto, mesmo que as satisfações do trabalhador tenham aumentado, a gratificação social que proporcionam diminuiu em comparação [grifo meu] com o aumento das satisfações do capitalista, inacessíveis ao trabalhador. As nossas carências e satisfações têm origem na sociedade; podemos medi-las portanto em relação à sociedade; não as avaliamos em relação aos objetos que servem para a sua satisfação. Possuem uma característica relativa.”

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Introdução - Por que este livro?

“O valor da vida não está no encadeamento dos dias, mas no uso que fazemos deles.”
Montaigne

Este é um livro sobre planejamento pessoal, administração do tempo, organização pessoal, inteligência emocional, liderança pessoal, proatividade. Conceitos interligados que buscam uma forma de responder à questão: o que fazer para viver melhor? Esta é a questão da filosofia da ação, a ética. Sua finalidade? A felicidade. Dentro do possível. E como expandir as possibilidades? Este livro é também um manual de uma resposta neste sentido.

Por que este livro?

Meu interesse original pela disciplina do planejamento e da organização pessoal era o de aprender a ser mais eficiente, fazer mais em menos tempo. Após um crescimento profissional acelerado, sentia-me pouco competente para fazer frente a tantas demandas. Aos 20 anos perdi meu pai. Trabalhava, estudava engenharia eletrônica e iniciei o mestrado em Ciência da Computação junto com o último ano da Faculdade, trabalhando ainda no CPD da UFRGS. Antes de concluir o mestrado, junto com três colegas, comecei uma empresa industrial de fundo de quintal, sem nenhuma experiência, baseado apenas na vontade, na coragem e na própria ignorância. Tive uma boa formação, toda ela no ensino público. A Digitel cresceu para tornar-se a maior empresa de comunicação de dados da América Latina. Dentro da Digitel nasceu a Altus, que é hoje uma das maiores empresas de automação industrial do Brasil, exportando tecnologia para a Alemanha e América Latina. Acho que retribuí o que o país investiu em mim.

Uma história de sucesso da qual me orgulho. Mas todo sucesso tem seu preço em problemas: ansiedade, angústia, tensão. Sentia na pele o que foi identificado por Kerry Gleeson[1]: “embora tenhamos sido formalmente educados para trabalhar nas nossas profissões, poucos, principalmente os trabalhadores de alto nível, aprenderam a trabalhar de forma eficiente e eficaz. Grande parte dos profissionais não tem uma idéia clara de como se organizar e processar o seu trabalho da melhor maneira”. Felizmente minha natureza era eclética e tive a oportunidade de fazer um curso de Gerência de Projetos. Comecei a planejar a longo prazo, mas faltavam muitas outras habilidades gerenciais, e com o acúmulo de demandas, passei a improvisar e reagir além dos limites do bom senso.

Em 1985, fiz um curso de administração do tempo (baseado no trabalho de Douglass[2]) e passei a praticar e estudar a organização do tempo, esporadicamente, buscando duas integrações. Uma era unir o planejamento de longo prazo da Gerência de Projetos às técnicas de organização do dia-a-dia. Além disso, buscava uma ferramenta que integrasse papel e informática. Meu objetivo era ser mais eficiente: fazer mais, reagir mais rápido, utilizar melhor o tempo como recurso. Depois de vários anos de estudo e prática, reconheci que, em verdade, e desde sempre, mais do que reagir rápido, o que importa é agir certo – a eficácia, mais do que a eficiência. E que, mais do que um recurso, tempo é vida. Administrar o tempo de forma eficaz é viver bem e ser feliz.
Eficácia é mais do que eficiência e mais do que qualidade. Eficácia não significa fazer mais nem fazer certo, mas fazer o certo – as coisas que conduzem à realização e que fortalecem a integridade. Realização é um processo e não um estado de plenitude permanente. Não é uma meta, ou, se o for, é essencialmente inalcançável. Realização é a forma pela qual percorremos o caminho, o aprimoramento ao longo do percurso, e isso pode ser feito com método, seguindo uma “técnica” milenar: viver de acordo com os próprios valores e alinhá-los permanentemente com a realidade mutante. Esta técnica da eficácia é a própria ética, a filosofia da ação e das virtudes morais que, quando praticada, conduz a uma felicidade mais duradoura e mais serena do que aquela outra felicidade de desfutar o prazer.

Dizer que o objetivo da vida é ser feliz é um truísmo. O problema que logo se coloca é: o que é felicidade? Duas respostas milenares e aparentemente opostas. De um lado, deve-se reconhecer que felicidade é algo que se sente, portanto é uma sensação, e uma sensação de prazer. Ser feliz é sentir prazer – é a tese hedonista do epicurismo e o princípio do prazer de Freud: a busca do prazer e a fuga da dor são “o princípio de toda escolha e de toda recusa”. De outro lado, a crítica estóica de que a verdadeira felicidade deveria ser duradoura, e não uma sensação imediata e passageira. Se qualquer organismo aceita sofrer para sobreviver, a preservação da essência do ser está acima da busca do prazer. Se a essência do homem é a razão, viver segundo a razão (a virtude) vale mais do que a fruição do gozo. A felicidade moral é uma sensação sim, mas é uma sensação de segunda mão, derivada de um conhecimento. Sentimo-nos moralmente felizes quando sabemos ter cumprido um dever, ter alcançado uma meta, mesmo que isso envolva dor. Esta é a felicidade da realização, tão maior quanto maior o esforço. A felicidade de cumprir o dever é da ordem da eternidade e do conhecimento (que ficam). A felicidade de sentir o prazer está na ordem do tempo e do corpo (que passam). Uma tese não nega a outra, mas freqüentemente entram em conflito. “Rigor de Epícteto contra a suavidade de Epicuro. Vontade contra volúpia. Alegria do esforço contra o prazer do repouso. São os dois pólos do viver, entre os quais não se trata tanto de escolher, mas de oscilar ou de encontrar um equilíbrio”.[3] Estas duas sabedorias mais se completam do que se opõem na experiência da vida.

Sempre oscilando, hoje sou mais moralista do que hedonista, pois considero que o maior valor está na busca permanente de superar os próprios limites, em aprender e empreender. Mas busco um crescimento integral e harmônico, sem reprimir ou negar a realidade das emoções, do prazer e da dor. E procuro influenciar os outros a percorrer também esse caminho. Realizo-me ao praticar, reforçar e aprimorar este aprendizado, compartilhando-o com outras pessoas. Este é o motivo para escrever este livro, para desenvolver o Sistema PowerSelf e para criar e manter a PowerSelf como empreendimento. O grande prêmio desta jornada é o desenvolvimento de uma consciência mais madura e equilibrada. Mas, contabilizo ainda duas outras gratificações: primeiro, a confirmação de tantas pessoas de que o sistema PowerSelf as ajudou a agregar e gerar valor em suas vidas; depois, o feedback das pessoas mais próximas de que esta prática me tornou uma pessoa melhor para o convívio. Assim, o objeto deste livro é também o de ajudar o leitor a alcançar novos níveis de realização na sua vida pessoal e profissional.

Sim, este é um livro de auto-ajuda. Por que não? Embora o termo auto-ajuda esteja desgastado, não é sábio nutrir preconceitos em relação a termos. Toda terapia implica auto-ajuda. Terapia é ajudar alguém que padece. E não se pode ajudar a uma pessoa que não quer ser ajudada. Todos padecem da “doença do tempo”, embora nem todos queiram ajuda.

[1] GLEESON, Kerry. PEP – O Programa de Eficiência Pessoal. São Paulo: Makron Books, 1996.
[2] DOUGLASS,
[3] Comte-Sponville, André. “A vida humana”. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. p76.

Saldando um Débito - Prefácio à 2ª Edição

Eu não sabia da dificuldade de vender cinco mil livros em três anos, mesmo sabendo ser um autor desconhecido e sem networking no meio livresco, e que a Literalis era uma editora nascente. Por ignorância ou soberba, foi assim que planejei a primeira edição. A ousadia foi compensada, e o projeto, embora mal acompanhado, chegou ao objetivo. Em 2007, a primeira edição, lançada em novembro de 2003, estava praticamente esgotada. Um orgulho e um novo desafio: revisá-la.

A primeira versão foi escrita ao longo de quatro anos e meio. Mesmo sem estar satisfeito com o resultado (creio que nunca estarei), resolvi publicá-la. Havia muita redundância, pois o livro foi composto para ser lido como um manual, a partir de qualquer capítulo. Tive e tenho dúvidas quanto à melhor seqüência didática.

A revisão foi mais fácil do que a escrita original, mas, ainda assim, muito mais lenta do que poderia ser se eu tivesse, ao natural, a disciplina que, penosamente, busco desenvolver. Houve muita poda de excesso, questão de estilo; algumas reformulações, questão de conceitos; e outros tantos implantes, questão de aprendizado e reflexão. No fim das contas, modifiquei bastante, e o que era para ser a revisão 1.1 terminou como uma nova versão 2.0. Aliás, ainda não terminou e, por isso resolvi começar a publicar por partes aqui, o que acontecerá a cada semana.

Gostaria de fazer uma modificação de nomenclatura, mas não a fiz. Ao invés de “compromissos com hora”, desejava passar a usar a designação “horários”, mas não quis perder a força da palavra compromisso. No capítulo I, adotei o termo pós-moderno no lugar de moderno até porque neste meio tempo desde a primeira edição aprendi o significado do primeiro termo e sua melhor adequação descritiva.

Na introdução do Capítulo 4, incluí um texto de inspiração epicurista. No mesmo capítulo incluí a lista dos valores de Benjamin Franklin, o criador do método de “contabilidade moral”, cuja prática eu recomendo. No fim do mesmo capítulo, incluí um pequeno desenvolvimento dos conceitos de Cloninger sobre temperamento e caráter, cujo trabalho conheci através de meu amigo Paulo Abreu, a quem muito agradeço, pois os conceitos postulados, pesquisados e validados por Cloninger permitiram estruturar e aprofundar uma seara que já se perseguia na primeira edição. O capítulo 5 da versão original foi aberto em dois: um para o Plano Político e outro para o Plano Tático. Neste novo capítulo 6, está a grande mudança que justifica chamar esta nova edição de uma nova versão. Em relação a ações, incluí a análise do conceito de prazo e explicitei melhor a distinção entre as formas de atacar ações simples e complexas. Também neste capítulo, mudei a ordem de apresentação dos vários itens para melhor destacar a ligação entre rotina e a estratégia de marcação de horários, apresentada de uma forma bem mais didática. Foi incluído também um item sobre reuniões.

Ainda estou reescrevendo o novo capítulo 7 referente ao planejamento de longo prazo. E, justamente por ter empacado neste ponto, resolvi começar a publicar o livro aqui, por partes, a cada semana. Estarei apostando uma corrida comigo mesmo: terminar o capítulo antes de chegar o momento de publicá-lo :-)

Entretanto, a principal reformulação conceitual de fundo cabe aqui mesmo. No texto original destaquei que a disciplina da boa administração do tempo era muito antiga e era a ética, a filosofia prática. Hoje, vejo de forma diferente ou mais abrangente, ajudado por uma reflexão de Luc Ferry. A questão do tempo para o homem, está intimamente associada à consciência da própria finitude, de sua relação com a morte. A questão da perda de tempo “é” a própria questão da vida (ou da sua perda – a morte): a consciência da irreversibilidade do tempo. A questão de “o que fazer agora”, ou “o que fazer da vida” é a questão filosófica por excelência. Portanto, para além da ética, a questão da administração do tempo é a própria filosofia. “O que supõe que se percorrem três etapas: a da teoria (conhecimento do mundo e dos instrumentos que temos para conhecer), a da ética (como viver com os outros) ou filosofia prática, e a da salvação ou da sabedoria, o saber viver, feliz e livre, na medida do possível” [1].

De resto, apesar das dúvidas, decidi por manter a capitulação original com a inclusão já mencionada e, sem nenhuma dúvida, o prefácio do meu amigo Ricardo Felizzola.

Dedico esta segunda edição à memória do meu amigo Gilnei Marques, criador e editor do Baguete Diário, uma pessoa que eu tive a dádiva de conhecer e com quem tive o privilégio de privar.

[1] FERRY, Luc. Aprender a Viver; trad. Vera Lúcia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. pp. 32-34.