sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O sentido da vida

É possível falar a sério sobre o sentido da vida depois de Monty Python? Ainda mais eu? Well, I'll try.

Qual o sentido da vida?

Ela mesma! A vida busca preservar-se. Eis a noção do bem universal: o que preserva é bom, o que destrói é mau. A morte não é finalidade, é fim.

Mas o que se conserva?

Não o mesmo, que sempre igual a si mesmo poderia ser o todo, mas também o nada. Não poderia ser princípio, pois para ser sucedido teria de mudar. Mais bem o mesmo sem movimento é a morte. O movimento é a regra da vida.

Para preservar-se na mudança a vida precisa mudar: permanência no movimento, conservação na mudança, variedade na identidade. Eis o conflito inerente à vida e que a torna tão maravilhosamente dinâmica e tão apaixonadamente trágica: o organismo vivo num tênue equilíbrio homeostático com o seu ambiente, lutando contra a indiferença de um universo aleatório.

domingo, 18 de outubro de 2015

Charruas

O tradicionalista gaúcho orgulha-se de ser descendente do "índio charrua" independente e lutador. A imagem do índio deitado no cavalo com a lança em riste lutando contra os portugueses se associa à dos Farrapos se insurgindo contra a coroa. Essa imagem revela uma faceta característica do gaúcho comum: o orgulho derivado da ignorância. Basta ir ao dicionário para saber que a palavra charrua designa o arado de madeira puxado por um animal (e guiado por outro).

Para o gaúcho, o Rio Grande é o mundo, porque ele desconhece o resto. A mais bela rua do mundo está em Porto Alegre, só em Uruguaiana se pode pisar em dois países ao mesmo tempo e outras bobagens que já li e ouvi até mesmo publicadas na Zero Hora - o melhor jornal do mundo.

Pois bem, se a charrua é o arado, o índio deriva seu nome da  ferramenta que empurrava de um lado enquanto o boi puxava do outro. Ambos animais domesticados pelo jesuíta espanhol. Vá se orgulhar de empurrar arado para patrão! Lá isso é símbolo de bravura e independência?

sábado, 13 de junho de 2015

Tempo Hormonal

A percepção do tempo é muito mais hormonal do que de racional. É fato que os jovens têm mais pressa do que os velhos. Parece natural que eles desejem que o tempo passe mais rápido para chegar à maturidade e que os velhos queiram que o tempo pare para adiar a morte. Mas o tempo e o envelhecimento não se aceleram por um ato de vontade. O único efeito da pressa é a agitação e a pressão por fazer mais coisas, mais rápido. Essa pressão deveria ser maior quanto menor o prazo. A lógica inverte o raciocínio do sentimento natural: quem deveria ter pressa de realizar mais coisas seriam os mais velhos que têm menos prazo e os jovens deveriam ter calma, pois seu prazo é mais longo.

Neto da Silva

Quando adolescente trabalhei no cartório do meu pai. Registro Civil: nascimentos, casamentos e óbitos. Os grandes eventos do drama humano registrados fria e uniformemente em letra miúda e livros enormes. Creio que é de lá o hábito de pensar sobre nomes – a única coisa agradável naquele trabalho.

Dia desses tive novamente de lidar com a burocracia massiva ao assinar centenas de documentos de pessoas. Chamaram minha atenção dois sobrenomes. Um era Fulano Teixeira de Mello Silva Neto[1], o outro Beltrano Neto da Silva.

Dar o próprio nome ao filho é uma reafirmação explícita da vontade de transcendência que já seria satisfeita pelo próprio fato de ter um filho. Certamente é uma manifestação de orgulho e auto-estima, cujo mérito parece ser confirmado pela aquiescência do parceiro. Para alguns críticos, tal orgulho é sinal de arrogância. Sem entrar em qualquer mérito, sempre que conheço um Filho ou Júnior, automaticamente penso num pai orgulhoso e numa mãe amorosa ou condescendente. Um Neto então me leva a conjecturas trans-geracionais e é isso que quero compartilhar.

Provavelmente, o Fulano Silva Neto deve ser filho do Fulano Teixeira de Mello Silva Filho. A própria composição de sobrenomes já indica o orgulho de pertencer a uma dinastia patriarcal. “Você sabe com quem está falando? Eu sou neto do Fulano Teixeira de Mello e Silva.”

Em tempos em que a mudança é a regra, a tradição não deveria se sustentar. Ou, talvez paradoxalmente, seja vista como inovação, como diferente. Pelo menos por um tempo. Mas também vivemos tempos em que a fama substituiu a glória e a honra. Mesmo que os feitos do antepassado estejam esquecidos pela memória coletiva, um nome composto sugere pompa e pompa se confunde facilmente com fama. O sujeito deve ser famoso.

Mas deixemos de lado o Silva Neto. O que dizer do Neto da Silva? Que certamente esta família passou pela história (ou tragédia) decantada pelo adágio: “pai rico, filho nobre, neto pobre” e, poderíamos acrescentar: bisneto ignorante. O Neto da Silva ignora quem na sua família foi neto de quem, e qual escrivão igualmente ignorante incorporou ao nome da mãe a pompa que se perdeu a seguir.




[1] Troquei o sobrenome composto para evitar qualquer referência pessoal.